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CHOQUE DE IDÉIAS
Cursos de graduação direcionam alunos para o mercado de trabalho e não seguem claramente escolas teóricas
Escolas de economia rechaçam ideologia
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Maria da Conceição Tavares,
economista da UFRJ, dizia na semana passada que não há macroenomia de esquerda. Uma semana antes, longe dos holofotes,
Rogério Werneck, diretor do Departamento de Economia da
PUC-RJ, afirmara que tampouco
existe teoria econômica de direita.
Um passeio por cinco dos principais centros de economia do
país mostra que os economistas
que passam pelos seus cursos de
graduação dificilmente saem de lá
com alguma tinta ideológica que
não tinham ao entrar. A maioria
está realmente preocupada em
preparar-se bem para a entrada
no mercado de trabalho, e os cursos refletem essa preocupação.
As doses são diferentes, mas a
receita não muda: um pouco mais
de história e sociologia na Unicamp (e na UFRJ, os centros mais
"heterodoxos", um pouco mais
de matemática e estatística na
USP, na PUC-RJ e nos cursos da
FGV no Rio e em São Paulo.
Márcio Percival, diretor do Instituto de Economia da Unicamp,
diz que, além do tradicional espírito crítico dos campineiros e da
preocupação com a realidade brasileira, a idéia do curso de graduação é garantir o que poderia ser
chamado de "empregabilidade"
dos alunos. "Há uma preocupação muito forte com a prática.
Preocupação refletida nos laboratórios incluídos no curso", diz.
Marcos Fernandes, coordenador da Escola de Economia de São
Paulo da FGV, cuja primeira turma de graduação começou neste
ano, diz que a escola tem a mesma
preocupação: de confrontar os
alunos com a realidade brasileira
e ao mesmo tempo oferecer uma
boa formação teórica e prática.
História que se repete nas escolas
do Rio e na USP.
Mas as coisas mudam quando
acaba a graduação. Os diretores
de cada escola ressaltam a ausência de qualquer orientação ideológica nos cursos de pós-graduação
-exceção feita à Unicamp, que
assume que privilegia uma linha
de pensamento. Independência e
diversidade, dizem seus respectivos diretores, são a marca da
PUC-RJ, da FEA-USP e dos programas de pós em economia da
FGV no Rio e em São Paulo.
Um bate-papo com os pós-graduandos muda as coisas de figura.
Eles são mais práticos e menos diplomáticos do que seus professores. Quer fazer mestrado, aprender bem a fazer modelos, trabalhar no mercado financeiro ou ir
estudar fora? Seu lugar é a PUC-Rio. Gosta de matemática, teoria,
nem tanta aplicação e pesquisa de
ponta? Vá para a FGV-Rio.
A Unicamp é procurada pelos
que, já pendendo para a heterodoxia, não são muito afeitos aos
modelos matemáticos. A UFRJ
está em algum lugar entre a Unicamp e a FGV-SP. Na FEA, quem
consegue entrar pode sair marxista ou microeconomista.
Leve-se em conta que a caricatura tende a exagerar os detalhes,
mas tem sim um fundo de verdade. O responsável pela pós-graduação da EPGE (Escola de Pós-Graduação em Economia da
FGV), por exemplo, é o economista e estatístico Aloisio Araújo.
Araújo é hoje o pesquisador
brasileiro que mais publica em revistas e periódicos internacionais
na área de economia. Parte por
conta do trabalho dele, a EPGE é o
único centro com programa de
pós-graduação avaliado com nota
máxima pelo Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Ministério da Educação.
"Nosso objetivo é desenvolver
teoria de ponta, na área de macro
ou micro", diz o pesquisador.
Trabalho que, explica, depende
de treinamento profundo em estatística e matemática. A escolha,
argumenta, não tem nada a ver
com ideologia, mas com a opção
de debater e pesquisar o que de
mais moderno e avançado se discute sobre economia nos grandes
centros de pesquisa. "Você pode
pesquisar o mosquito brasileiro
com o microscópio francês se for
o melhor equipamento disponível", diz Araújo.
Ricardo Carneiro, da Unicamp,
desconfia das simplificações que
os modelos acabam impondo. Escola, como a UFRJ, influenciada
pelas teorias desenvolvidas pela
Cepal (Comissão Econômica para
a América Latina), a Unicamp
nasceu fazendo a crítica dos economistas liberais, na década de 60
-época em que ortodoxos e heterodoxos se batiam por temas
como protecionismo, planejamento e industrialização induzida pelo estado.
"Economia não é ciência natural. Existem opções políticas, interações históricas. As teorias não
valem em qualquer circunstância.
Elas têm que estar associadas à
história", rebate Carneiro.
A crítica é compartilhada com
parte dos economistas da UFRJ.
Para lá, seguem também os pesquisadores interessados nos desdobramentos das teorias do economista Joseph Schumpeter
(1883-1950), especialmente sobre
a noção do papel dos empresários, das empresas e da inovação
tecnológica no desenvolvimento.
Também na UFRJ, diz o diretor
João Sabóia, a diversidade é a lei.
Os pós-graduandos do próprio
instituto têm opinião um pouco
diferente, e poderia ser resumida
assim: é mais fácil ser ortodoxo na
PUC-RJ, cujo campus está a 15
minutos do da UFRJ.
Não é apenas o uso de métodos
quantitativos que divide os pesquisadores. Não se trata tampouco de classificar os que são mais
"chegados" à matemática de ortodoxos. Afinal, lembra Werneck,
da PUC-RJ, em épocas de ascensão do socialismo, liberal podia
estudar cálculo, mas álgebra linear era "coisa da esquerda".
Werneck dirige o departamento
justa ou injustamente mais identificado com a ortodoxia no Brasil.
Em parte, porque saíram de lá os
principais formuladores da política econômica pós-Real -passaram pelo PUC economistas como
Gustavo Franco, Edmar Bacha,
Pérsio Arida. O rótulo, como os
de esquerda e direita, tampouco
agrada aos pesquisadores do departamento. Mas a PUC-RJ certamente é um dos mais coesos entre
os cinco centros. Papel da ideologia de mercado? Não, questão de
tamanho. Enquanto a USP tem 78
professores de economia, na
PUC-RJ eles são apenas 17.
Visões diferentes sobre a própria natureza do estudo de economia poderiam tornar o debate impossível. Mas ainda assim ele
ocorre. E com algumas surpresas.
Da PUC sempre associada ao
mundo financeiro saíram importantes pesquisas sobre políticas
sociais. Mais precisamente sobre
a eficiência do gasto público na
área. De lá saem pesquisadores
que olham para a necessidade de
focalização do gasto social: o gasto do governo deveria ser redirecionado para os mais pobres.
Dadas as afinidades entre a EPGE e a PUC era esperado que
Araújo tivesse opinião parecida.
Mas ele surpreende ao dizer que
em alguns casos políticas universais são mais eficientes. Desse
ponto de vista, ele fica lado a lado
com Lena Lavinas, da UFRJ, que
não concorda muito com as opiniões de seu colega de instituto,
André Urani.
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