São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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CHOQUE DE IDÉIAS

Cursos de graduação direcionam alunos para o mercado de trabalho e não seguem claramente escolas teóricas

Escolas de economia rechaçam ideologia

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria da Conceição Tavares, economista da UFRJ, dizia na semana passada que não há macroenomia de esquerda. Uma semana antes, longe dos holofotes, Rogério Werneck, diretor do Departamento de Economia da PUC-RJ, afirmara que tampouco existe teoria econômica de direita.
Um passeio por cinco dos principais centros de economia do país mostra que os economistas que passam pelos seus cursos de graduação dificilmente saem de lá com alguma tinta ideológica que não tinham ao entrar. A maioria está realmente preocupada em preparar-se bem para a entrada no mercado de trabalho, e os cursos refletem essa preocupação.
As doses são diferentes, mas a receita não muda: um pouco mais de história e sociologia na Unicamp (e na UFRJ, os centros mais "heterodoxos", um pouco mais de matemática e estatística na USP, na PUC-RJ e nos cursos da FGV no Rio e em São Paulo.
Márcio Percival, diretor do Instituto de Economia da Unicamp, diz que, além do tradicional espírito crítico dos campineiros e da preocupação com a realidade brasileira, a idéia do curso de graduação é garantir o que poderia ser chamado de "empregabilidade" dos alunos. "Há uma preocupação muito forte com a prática. Preocupação refletida nos laboratórios incluídos no curso", diz.
Marcos Fernandes, coordenador da Escola de Economia de São Paulo da FGV, cuja primeira turma de graduação começou neste ano, diz que a escola tem a mesma preocupação: de confrontar os alunos com a realidade brasileira e ao mesmo tempo oferecer uma boa formação teórica e prática. História que se repete nas escolas do Rio e na USP.
Mas as coisas mudam quando acaba a graduação. Os diretores de cada escola ressaltam a ausência de qualquer orientação ideológica nos cursos de pós-graduação -exceção feita à Unicamp, que assume que privilegia uma linha de pensamento. Independência e diversidade, dizem seus respectivos diretores, são a marca da PUC-RJ, da FEA-USP e dos programas de pós em economia da FGV no Rio e em São Paulo.
Um bate-papo com os pós-graduandos muda as coisas de figura. Eles são mais práticos e menos diplomáticos do que seus professores. Quer fazer mestrado, aprender bem a fazer modelos, trabalhar no mercado financeiro ou ir estudar fora? Seu lugar é a PUC-Rio. Gosta de matemática, teoria, nem tanta aplicação e pesquisa de ponta? Vá para a FGV-Rio.
A Unicamp é procurada pelos que, já pendendo para a heterodoxia, não são muito afeitos aos modelos matemáticos. A UFRJ está em algum lugar entre a Unicamp e a FGV-SP. Na FEA, quem consegue entrar pode sair marxista ou microeconomista.
Leve-se em conta que a caricatura tende a exagerar os detalhes, mas tem sim um fundo de verdade. O responsável pela pós-graduação da EPGE (Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV), por exemplo, é o economista e estatístico Aloisio Araújo.
Araújo é hoje o pesquisador brasileiro que mais publica em revistas e periódicos internacionais na área de economia. Parte por conta do trabalho dele, a EPGE é o único centro com programa de pós-graduação avaliado com nota máxima pelo Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Ministério da Educação.
"Nosso objetivo é desenvolver teoria de ponta, na área de macro ou micro", diz o pesquisador. Trabalho que, explica, depende de treinamento profundo em estatística e matemática. A escolha, argumenta, não tem nada a ver com ideologia, mas com a opção de debater e pesquisar o que de mais moderno e avançado se discute sobre economia nos grandes centros de pesquisa. "Você pode pesquisar o mosquito brasileiro com o microscópio francês se for o melhor equipamento disponível", diz Araújo.
Ricardo Carneiro, da Unicamp, desconfia das simplificações que os modelos acabam impondo. Escola, como a UFRJ, influenciada pelas teorias desenvolvidas pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), a Unicamp nasceu fazendo a crítica dos economistas liberais, na década de 60 -época em que ortodoxos e heterodoxos se batiam por temas como protecionismo, planejamento e industrialização induzida pelo estado.
"Economia não é ciência natural. Existem opções políticas, interações históricas. As teorias não valem em qualquer circunstância. Elas têm que estar associadas à história", rebate Carneiro.
A crítica é compartilhada com parte dos economistas da UFRJ. Para lá, seguem também os pesquisadores interessados nos desdobramentos das teorias do economista Joseph Schumpeter (1883-1950), especialmente sobre a noção do papel dos empresários, das empresas e da inovação tecnológica no desenvolvimento. Também na UFRJ, diz o diretor João Sabóia, a diversidade é a lei.
Os pós-graduandos do próprio instituto têm opinião um pouco diferente, e poderia ser resumida assim: é mais fácil ser ortodoxo na PUC-RJ, cujo campus está a 15 minutos do da UFRJ.
Não é apenas o uso de métodos quantitativos que divide os pesquisadores. Não se trata tampouco de classificar os que são mais "chegados" à matemática de ortodoxos. Afinal, lembra Werneck, da PUC-RJ, em épocas de ascensão do socialismo, liberal podia estudar cálculo, mas álgebra linear era "coisa da esquerda".
Werneck dirige o departamento justa ou injustamente mais identificado com a ortodoxia no Brasil. Em parte, porque saíram de lá os principais formuladores da política econômica pós-Real -passaram pelo PUC economistas como Gustavo Franco, Edmar Bacha, Pérsio Arida. O rótulo, como os de esquerda e direita, tampouco agrada aos pesquisadores do departamento. Mas a PUC-RJ certamente é um dos mais coesos entre os cinco centros. Papel da ideologia de mercado? Não, questão de tamanho. Enquanto a USP tem 78 professores de economia, na PUC-RJ eles são apenas 17.
Visões diferentes sobre a própria natureza do estudo de economia poderiam tornar o debate impossível. Mas ainda assim ele ocorre. E com algumas surpresas.
Da PUC sempre associada ao mundo financeiro saíram importantes pesquisas sobre políticas sociais. Mais precisamente sobre a eficiência do gasto público na área. De lá saem pesquisadores que olham para a necessidade de focalização do gasto social: o gasto do governo deveria ser redirecionado para os mais pobres.
Dadas as afinidades entre a EPGE e a PUC era esperado que Araújo tivesse opinião parecida. Mas ele surpreende ao dizer que em alguns casos políticas universais são mais eficientes. Desse ponto de vista, ele fica lado a lado com Lena Lavinas, da UFRJ, que não concorda muito com as opiniões de seu colega de instituto, André Urani.


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