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São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Falta pensar grande

Em todos os campos de pensamento há um conflito permanente entre o novo e o estabelecido. Em muitos casos, o novo encerra armadilhas, da idéia não testada ou meramente falsa. Mas a armadilha do velho não é menos letal, especialmente quando a forma velha de pensar leva a um beco sem saída, como é o caso do modelo atual de apreciação cambial, taxas de juros elevadas e arrocho fiscal.
O modelo começa a fazer água por todos os lados, explodem irrupções, distorções, desequilíbrios, projeções honestas apontam para a inviabilidade da trajetória escolhida. Mas a ortodoxia é implacável.
Numa ponta, há um extenso quadro de economistas ortodoxos rasos, que se recusam a admitir a existência do problema. Recorrem às chamadas "máximas da planilha", de buscar uma explicação simplória para cada problema, sem atentar para o desequilíbrio do conjunto. Há um segundo nível mais honesto de economista ortodoxo que consegue enxergar o beco sem saída, mas não tem respostas porque está preso à ortodoxia.
É o caso do jovem delfim da PUC do Rio de Janeiro que escreve regularmente para o jornal "Valor". É analista consistente, embora, vez por outra, tenha de pagar seu óbolo para os cardeais da instituição. Na edição de sexta-feira (26/12), ele trabalha em cima do mesmo "modelito" simplificado que utilizei na coluna de 25 de novembro, de simulações em torno de quatro variáveis: relação inicial dívida/PIB, taxa real de juros, crescimento do PIB e superávit primário.
Sua conclusão -já expressa por outros economistas também- é da quase impossibilidade de um ajuste gradativo do endividamento público, pelo prazo longuíssimo requerido e pela ausência de estabilizadores automáticos na economia, como ocorre com economias desenvolvidas. Qualquer choque externo deflagra um processo de fuga de capitais, que desvaloriza o câmbio, os preços internos, obrigando a novos aumentos dos juros com nova queda da atividade econômica e reversão da trajetória declinante da dívida pública.
Posto que esse modelo não tem saída, o que o jovem delfim propõe? "Avançar em reformas (...) que possibilitarão reduzir os gastos fiscais, aumentar o grau de competição da nossa economia" etc. etc. etc. Ou seja, depois de constatar a inviabilidade de um processo gradativo de ajuste... propõe um ajuste gradativo.
O próprio Tesouro utiliza o conhecimento de seu corpo técnico para se limitar a trabalhar em cima de sua carteira de títulos, melhorando um pouquinho a composição aqui, esticando um pouquinho o prazo ali. O país tem um conjunto de ativos potenciais, que serão explorados pelas PPP (Parcerias Público-Privadas), tem um conjunto expressivo de passivos e ativos públicos, tem as relações entre União e Estados demandando encontros de contas. Esse conjunto de fatores pode ser bem explorado com uma engenharia financeira competente e criativa, para juntar essas peças e montar uma política alternativa, que afaste o fantasma do default.
Mas, antes, será preciso exorcizar essa ortodoxia estéril.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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