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Minha História Dalva Rocha, 51

RESUMO A fluminense Dalva Rocha, 51, entrou no mercado de trabalho aos 20 anos como recepcionista e chegou a gerente comercial. Iniciou o curso de administração de empresas e fez pós-graduação de gestão da informação para enfrentar o estigma "pobre e deficiente". Hoje lidera 16 pessoas.

Com passos firmes

(...)"Não queria ficar em casa sendo tratada como doentinha (...), se eu quisesse fazer faculdade, teria que trabalhar"

CAMILA MENDONÇA
DE SÃO PAULO

"Olha a aleijada pulando corda." Eu devia ter uns 12 anos quando ouvi isso de outra criança na hora do recreio. Parei de pular corda.

Tenho deficiência na perna direita, que é menor, atrofiada, em função da paralisia infantil. Eu tinha um ano e seis meses e deixei de andar.

A minha resposta era ser a melhor aluna da turma. Eu queria ser perfeita e não aceitava menos que cem [nota máxima na escola]. Era uma forma de compensação.

Sabe a história de agredir para não ser agredida? Eu não permitia que ninguém se aproximasse. Por isso, até os 18 anos, fiz poucos amigos e não formei vínculos.

Também não me olhava no espelho da cintura para baixo. Não conseguia nem queria ver minha deficiência.

Minha mãe se preocupava demais -por ela, eu ficaria em casa. A atenção maior era para mim, o que despertava ciúmes em meus irmãos.

Eles não entendiam os cuidados que eu recebia. Não criei laço afetivo com minha irmã, apesar de termos apenas dois anos de diferença.

VIRADA

Minha mãe fazia tudo por mim. Mas eu sabia que, enquanto estivesse sob essa proteção, não cresceria.

Não queria ficar em casa sendo tratada como doentinha. Como minha família era humilde e não tinha boas condições financeiras, se eu quisesse fazer faculdade, teria que trabalhar.

Ao procurar emprego, tive medo de ser rejeitada. As pessoas têm pena -esse é o pior sentimento. Elas não estão preparadas para o diferente.

Estava amedrontada quando fui para a entrevista. Pensava o tempo inteiro que não me chamariam. Ser escolhida me deu forças para ver as coisas de outra maneira.

Iniciei a carreira como recepcionista de empresa de plano de saúde, aos 20 anos.

Quando comecei a trabalhar, conheci pessoas, fiz amizades que não sabia que poderia ter, conheci outra vida, outro mundo.

Percebi que eu tinha competência -recebi promoções em reconhecimento. Quando pedi demissão, depois de ter ficado 18 anos na mesma empresa, ocupava a posição de gerente comercial.

Entrei em outra, também como gerente. É o cargo que tenho há dois anos na Personal [Service, consultoria de gestão de pessoas].

[Em uma companhia em que atuei,] tinha uma pessoa que desejava ser deficiente, porque achava que poderia chegar aonde cheguei.

Nunca fiquei desempregada. Faltam oportunidades, sim, mas é preciso se adaptar à situação se quiser crescer.

ACEITAÇÃO

Tive de enfrentar muita resistência interna. Com o salário, paguei terapia. Crescer é uma ação muito solitária.

Mantive determinação tão grande que não senti em momento algum discriminação.

[Se havia,] não vi. Não quis me posicionar como a coitadinha. Mas o preconceito existe e sempre existiu.

Eu tive que fazer muito mais [que os outros] porque precisava mostrar que podia.

Minha vida pessoal também mudou. Aos 24 anos, saí de casa e fui morar sozinha, em uma quitinete alugada. Minha mãe ficou magoada, mas aceitou a decisão.

Um ano depois, eu me casei. O relacionamento durou pouco e não tive filhos.

MUDANÇA

Hoje sou uma pessoa extrovertida e leve. As pessoas gostam de estar comigo -situação bem diferente da Dalva da escola. Naquela época, me viam com pena. Agora, recebo olhares de admiração.

Nem lembro que uma de minhas pernas é diferente da outra. E já voltei até a pular corda.

Antigamente, as pessoas olhavam para o meu pé por causa da minha deficiência. Hoje elas olham porque meus sapatos são lindos.

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