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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Sem poder ter atividade remunerada, bolsista de pós ganha R$ 724; dedicação exclusiva dificulta a volta ao mercado

Carreira acadêmica revela OUTRO MUNDO

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Antes de optar por dar atenção exclusiva a um mestrado ou doutorado, é preciso definir o plano de carreira. Se a intenção é seguir na vida acadêmica, vá em frente. Mas, caso seja buscar um cargo executivo, pense mais um pouco.
Muitos estudantes fazem os cursos de pós logo depois da graduação e adiam a entrada no mercado, o que, segundo os consultores ouvidos pela Folha, dificulta uma colocação posteriormente.
Para se manter, alguns conseguem bolsas de estudos, como as fornecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O problema é que o bolsista fica impedido de exercer qualquer atividade remunerada para ter esse benefício.
Se por um lado a atenção pode ser exclusivamente voltada para a pesquisa, por outro esses estudantes acabam ganhando pouco e precisam adotar um "ritmo mais lento" para o avanço na carreira.
"Essa questão é angustiante e está entre os assuntos que vão ser discutidos com a comunidade científica, para tentarmos flexibilizar um pouco nas áreas em que for possível", afirma Jamil Cury, 57, novo presidente da Capes.

Amargo regresso
Os alunos em dificuldades financeiras podem pleitear uma vaga no campus universitário ou morar como hóspedes de amigos nos alojamentos, como faz Valente Matlaba, 28. Formado pela USP, o estudante faz mestrado em economia na mesma instituição. Às vésperas de se tornar mestre, ele, que é bolsista da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), recebe R$ 724,52 mensais.
"É complicado. O valor é muito baixo, mas ainda assim sou privilegiado. Tenho amigos que não conseguiram a bolsa nem trabalho e estão em piores condições."
Afastar-se do mercado para priorizar os estudos, como fez Matlaba, pode se tornar um caminho sem volta, de acordo com a diretora da KPMG Patrícia Molino, 36. "Se o profissional não tem nenhuma experiência e dedicou-se só aos estudos, vai ser complicado empregá-lo no setor privado, a não ser que sua intenção seja mesmo uma carreira acadêmica."
O engenheiro de produção Edson Ricardo Barbero, 27, reconhece as dificuldades. Bolsista do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Barbero faz mestrado em administração de empresas na USP. Ele participou de um programa de trainee logo que se formou, mas deixou a companhia para dedicar-se à pesquisa.
"Embora queira me recolocar, busco também ter vivência universitária. Vou mandar currículo quando terminar o curso, mas sei que o mercado está complicado."

Carreira acadêmica
Segundo determinação do Conselho Nacional de Educação, até o ano que vem todas as universidades serão obrigadas a ter um terço do corpo docente composto de professores doutores e mestres.
Isso fez com que as instituições públicas e privadas abrissem a "temporada de caça" aos títulos e com que a carreira acadêmica fosse mais valorizada que antes.
"Dependendo do professor, os salários chegam a R$ 20 mil nas escolas privadas. Mas a média para o profissional, inclusive com doutorado, é de R$ 3.000 a R$ 6.000", afirma Geraldo Moisés Martins, 60, diretor-superintendente da Funadesp (Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular).
Já nas universidades públicas, os valores são mais modestos. A tabela do MEC (Ministério da Educação) mostra que o salário de um professor de uma federal, com 40 horas de dedicação exclusiva, varia de R$ 1.289 a R$ 4.859.
"O valor está bem defasado, e é claro que o mercado paga muito mais. Mas não abro mão das aulas universitárias", diz José Domingues de Godoy Filho, 47, vice-presidente da Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior). Godoy Filho, que dá aula de geologia na Universidade Federal de Mato Grosso, é mestre pela USP e faz doutorado na Sorbonne, França.
Há quem tenha vivido os dois mundos e hoje prefira a vida acadêmica, como Heloisa Figueiroa, 48, formada em estatística pela USP. Ela fez pós-graduação "lato sensu" e foi executiva de grandes empresas como Grupo Pão de Açúcar e American Express.
Há alguns anos resolveu mergulhar na teoria e ingressou em um mestrado na Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado). Hoje dá aulas em um dos cursos de MBA da ESPM. "Muitas vezes no trabalho você não precisa pensar, usa receitas prontas. Às vezes me via moldada como um bonsai." (ANDREA MIRAMONTES)


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