São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Fora do que se entende, o conhecimento não funciona

Deve-se estar preparado para perceber uma eventualidade, o que é diferente de uma previsão

Segundo Nassim Nicholas Taleb, para controlar riscos é preciso lidar com o imprevisível e o aleatório. Seu livro mais recente, "A Lógica do Cisne Negro - O Impacto do Altamente Improvável" (ed. Best Seller, R$ 39,90, 464 págs.), traz a teoria de que devemos reduzir a complexidade do sistema para controlar melhor os riscos. Taleb será um dos palestrantes da ExpoManagement, que acontece entre 10 e 12 de novembro, no Transamérica Expo Center, em São Paulo. Ele concedeu entrevista à Folha por telefone. Leia trechos da conversa. (ANDRÉ LOBATO)

 

FOLHA - O que o senhor vai falar em sua palestra?
NASSIM TALEB -
Eu digo às pessoas que não tenho nada a dizer que não esteja em meu livro: tentemos viver em uma sociedade muito menos frágil ao erro humano. Depois da crise, os economistas acham que a entendem. Todos eles são impostores. Eu vou dizer o que já dizia antes.

FOLHA - Não mudou de opinião?
TALEB -
Ao contrário. Entre em meu site e veja o link "citações que os imbecis escolheram ignorar" [no site, ele diz que já havia afirmado em seu livro que a concentração bancária nos Estados Unidos potencializa riscos e que a empresa de hipotecas Fannie Mae está "sentada em um barril de dinamite"]. Isso é o que escrevi dois anos atrás, antes da crise.
Vou apresentar minha visão de como evitar outras crises, como ter uma sociedade mais resistente a esse tipo de problema. Isto é o que eu vou falar: os operadores de mercado da Russia, do Brasil e do Líbano entendem problemas muito melhor do que os economistas treinados nos Estados Unidos.

FOLHA - No Brasil sempre se diz que é preciso fazer planos de negócio, colocar tudo no papel e seguir o modelo americano de planejar. Mas há resistência.
TALEB -
Eles estão certos em resistir. A maneira como as pessoas conduzem planos aqui [nos Estados Unidos] é estúpida. Planos de negócio não funcionam. Planejamento estratégico é bobagem. Funciona para as firmas de consultoria, mas não na realidade.

FOLHA - O que devem fazer, então?
TALEB -
Devem operar com o máximo de cautela e ser o mais flexível que puderem.

FOLHA - Mas dizem-nos que temos que fazer previsões.
TALEB -
Previsões tornam as pessoas bobas. Você deve estar preparado para perceber uma eventualidade, o que é muito diferente de uma previsão. Se não sei uma informação, o problema é de teólogos e físicos.

FOLHA - Além de ler o seu livro, o que o senhor recomenda para que as pessoas se preparem para o que não sabem?
TALEB -
Vou dar muitas dicas. A primeira é: não aceite conselhos de alguém usando uma gravata; a segunda, aumente a redundância no sistema. Estou escrevendo um livro, "How to Live in a World Without Understanding" ["Como Viver em um Mundo Sem Compreensão"]. Você tem que fazer um mapa do que compreende e do que não compreende. Fora do mapa, o conhecimento não funciona. O conhecimento acadêmico é besteira fora do mapa.

FOLHA - Mas como saber o que não sabemos?
TALEB -
Nós entendemos cassinos, não entendemos a aleatoriedade socioeconômica. Nós entendemos como carros funcionam. Nós não entendemos produtos financeiros complexos. Todos esses professores acham que entendem a crise, mas explodiram a sociedade. A melhor coisa que posso fazer pela sociedade é entrar em departamentos econômicos e demitir 90% dos economistas aleatoriamente. Cada dólar que se corta do financiamento dos departamentos de economia melhora a saúde da sociedade. Eu tenho planos, mas esse seria um começo muito bom.

FOLHA - Essa crise é um problema criado por pessoas que acham que sabem coisas que, na verdade, desconhecem?
TALEB -
É exatamente isso. Algumas pessoas, como os médicos e os engenheiros, acham que sabem muito, mas não são tão perigosos. Mas há uma classe de gente que não sabe mais do que motoristas: são os economistas. A questão não é que, às vezes, achamos que sabemos muito, é que, às vezes, não sabemos nada e achamos que sabemos tudo.

FOLHA - Saber o que não posso fazer é melhor do que saber o que posso?
TALEB -
Exatamente. Isso se chama conselho negativo. Como se vive mais? Evitando morrer. Mas, se você fala sobre o dinheiro, as pessoas querem conselhos positivos: como ficar rico, como ser saudável -não entendem que, evitando grandes erros, vivem mais.

FOLHA - É o mesmo para companhias? Elas deveriam reunir seus melhores profissionais para decidir o que não fazer?
TALEB -
Sim. Mas deixe-me dizer: vá a uma livraria em São Paulo e conte quantos livros há dizendo "como perdi minha fortuna"? Empiricamente, você aprende com o fracasso.

FOLHA - O senhor quer abolir o risco na sociedade?
TALEB -
Não. Quero controlar melhor os riscos, é minha profissão. E parece que não há alternativa às mensagens que proponho. Temos de diminuir a exposição a cisnes negros [imprevistos] negativos e maximizar a exposição aos positivos, mas faz-se o contrário.


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