São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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ARTIGO

O profissional do futuro

CAIO MARIO BRITTO
especial para a Folha

No ano de 2015, época em que a criança de hoje entrará no mercado de trabalho, a humanidade, presumivelmente, registrará cerca de 40 mil profissões.



Mas o número de ocupações que os avanços tecnológicos colocam diante do jovem não deve ser a grande preocupação nem deve ser a prioritária. A escolha pode ser repensada a qualquer tempo. Até ajuda a amadurecer.
A grande preocupação está nas modificações de hábitos e valores da vida. Da família. Da sociedade. Está na substituição do emprego pela ocupação. Na tíbia segurança do primeiro, contra o medo gerado pelo grau de competitividade exigido pela segunda. No fator "desconhecido". Na cultura e nos costumes do século 21, que precisam ser maturados.
Que o mundo vai mudar é lógico. Que nunca a humanidade experimentou uma mudança tão drástica e em tão curto espaço de tempo todo mundo sabe. Mas como estamos lidando com isso?
Robert Muller, reitor emérito da Universidade pela Paz e autor do livro "O Nascimento de uma Civilização Global", nos conta que uma das comissões das Nações Unidas pediu que astrofísicos dos EUA opinassem sobre questões relativas à vida. A resposta veio em forma de perguntas. Uma delas foi: "Essa espécie (a humana, com tal desenvolvimento) seria capaz de resolver suas relações intergrupais ou seus problemas sociais?".
É previsível que em 2015 as ocupações dispensarão os escritórios convencionais. Elas serão realizadas nas residências dos seus responsáveis, transmitidas a distância e, a distância, executadas.
Já vivemos um pouco dessa realidade. Mas lá será, das regras, a mais banal. E a vida a ser vivida pelo jovem, outra. Totalmente diferente da que ele assimilou e incorporou à sua cultura.
Lá, a circulação de trabalho e de riqueza será mais ágil e muito mais produtiva. Eficácia ou eficiência? Futuro.
E a espécie humana terá capacidade para resolver suas relações intergrupais ou seus problemas sociais? De que forma o atual sistema educacional está lidando com o fato? Será que o jovem se sente seguro quando imagina sua entrada na classe dos chamados "economicamente produtivos"? É muito improvável.
O jovem não está sendo colocado diante da realidade do ano 2015. Ele ainda carrega todas as incertezas e medos do dia-a-dia que vive e conhece por meio dos pais, dos professores e da mídia. Da sua realidade social, cultural e política.
Socorre-se da psicologia e dos testes vocacionais. Sai de uma faculdade para a outra, dizendo: "Não é isso que eu quero"; "Não foi com isso que eu sonhei".
Ele está perdido. E à sociedade cabe tentar ordenar seus questionamentos. Por meio de um ensino apropriado, do exemplo familiar, da justa estrutura social, da política correta e da mídia.
São inúmeras as dúvidas que o jovem tem sobre a sua profissão. Mais preocupante que o número de dúvidas é o seu conteúdo.
Principalmente aquelas relacionadas à capacidade de sobrevivência no mundo que habitará. Quanto mais consciência o jovem tiver de sua circunstância, mais competência terá para conviver com seu futuro.
Recentemente o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, afirmou em uma entrevista: "Há uma nítida consciência de que muitos dos diplomas emitidos não servem para nada".
O mundo atual -e muito mais o do futuro- exige do jovem conhecimentos técnicos da realidade como um todo, uma inter-relação entre inúmeras outras experiências profissionais.
Cada vez mais, as pós-graduações e os PhDs são necessários num ambiente altamente competitivo e globalizado. Dia a dia o diploma universitário ganha o mesmo peso daquele do ensino médio. E a especialização tende a ser cada vez mais generalista. O profissional que não souber muito de tudo não terá conhecimento nenhum de sua especialização.
Por tudo isso é que o que importa hoje é formar o jovem para a vida profissional, e não só para a profissão. Sem nenhum tipo de medo. Ousando criar para ele uma expectativa de futuro, sem nos omitirmos como avestruzes de cérebros eletrônicos. No mundo em que vivemos, tudo está liberado para imaginarmos o mundo daqui a 15 anos. Mas o sonho precisa preparar a realidade que será vivida no ano 2015.


Caio Mario Britto é jornalista, consultor de empresas na área de marketing e autor do livro "Primeiros Ensaios" (Ed. Brasil).


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