São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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BELISCANDO NO EXPEDIENTE

Patrões perdoam aos que caem em tentação

Roberto Assunção/Folha Imagem
Eule dos Santos degusta cerca de 15 produtos e tem acompanhamento médico para cuidar da saúde


SILVIA BASILIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Batedeiras misturam o creme espesso, enquanto um forte cheiro de cacau perfuma o ar. Ao lado, uma cascata de chocolate inunda as formas, ganhando contornos de bombons e de ovos de Páscoa.
O cenário certamente já esteve presente em sonhos de fãs da iguaria, e a chegada da Páscoa alimenta ainda mais os devaneios de "chocólatras" que imaginam quão delicioso deve ser trabalhar em uma fábrica de chocolate.
Na prática, a fantasia revela-se uma difícil tarefa, e as experiências envolvem prazer, desilusão e grande dose de autocontrole.
Carmem de Souza, 30, que trabalha na produção da Fachga Chocolatier, precisa se controlar para não dar prejuízo à empresa, mesmo já estando há 13 anos na rotina. "Chega a me dar urticária de tanta vontade."
Embora a degustação não seja proibida, ela tem medo de ser flagrada com a "boca na botija". "Tenho receio de a dona brigar. Mas, quando ela vira as costas, eu como", brinca Souza, que, atualmente, afirma devorar seis bombons por dia.
A proprietária, Lúcia Fachga, 49, aposta no bom senso dos funcionários na hora do consumo. "Se vejo alguém com a boca cheia, olho, mas não falo nada. Não reprimo, e eles me respeitam."
Na avaliação dela, os funcionários sentem-se inibidos com a presença de supervisores e equipamentos de segurança, como máscaras e luvas.
No caso de Paulo César Lamanares, 20, que trabalhou por um mês na Cacau Show, aconteceu justamente o contrário. Bastou um dia para que ele desistisse de "beliscar" durante o expediente. O motivo? Ele disse que enjoou, porque o aroma doce o perseguia até mesmo após o trabalho.
Embora a perda de apetite nas fábricas seja apontada por empresários e funcionários, há quem deguste mesmo sem estar com fome. É o caso do confeiteiro da Ofner Eule dos Santos, 52, que prova até 15 produtos por dia para atestar sua qualidade -não é à toa que está 13 kg acima do peso ideal.

Proibir ou não?
O desafio das empresas é saber como lidar com a atração que essas delícias exercem sobre os empregados sem comprometer a higiene nem aumentar os prejuízos.
Na maioria dos casos, apesar de não haver proibição, existem regras para a degustação. Na fábrica da Ofner, por exemplo, se casos de exagero são percebidos, o trabalhador é notificado.
"O funcionário não vai abusar se está liberado. A conduta estimula a responsabilidade", diz o diretor comercial, Laury Roman, 50. A firma, contudo, não descarta a revista na saída. O consumo está incluído na margem de perdas da produção, que oscila entre 0,8% e 1% ao mês, informa ele.
Na Kopenhagen, também não há proibição, mas os trabalhadores, tanto da fábrica quanto das lojas, têm de informar a chefia sobre o consumo, relata Benedito Marques, 53, diretor comercial.
A Personal Chocolate Promocional diz ter certeza de que não proibir é o melhor caminho. Segundo o dono, Vicente Afonso, 46, o consumo dos funcionários nas fábricas cai 80% após os três primeiros meses de trabalho.
O consentimento não é, contudo, uma regra. Na Amor aos Pedaços, a degustação na fábrica só é permitida quando os produtos são lançados oficialmente.
Eva Abramovay, 50, gerente de franquia da doçaria, aponta o cuidado com a higiene como o principal motivo para a estratégia e diz que a supervisão é rigorosa na linha de produção. "O gerente de produção circula o tempo todo." Na hora da saída, bolsas também são submetidas à revista.


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