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SOM DISSONANTE
Só 11% dos músicos têm elo formal
Mercado trata profissionais como prestadores de serviço; carreira pede dedicação precoce
ANDRESSA ROVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Músico também é um trabalhador. A constatação só parece
óbvia à segunda vista, depois
de dissipada a névoa de glamour que rodeia os eruditos e
que dá a eles o aspecto de celebridade -o que poderia isentá-los, portanto, de problemas
mundanos como carteira assinada e brigas com o chefe.
Se há algo que difere os músicos de operários de outros andaimes é sua formação precoce.
Enquanto outros estão a criar
artimanhas para cabular aulas,
os pequenos músicos já dedicam horas diárias ao estudo.
Aos oito anos, Renato Martins Longo tocava com profissionais. "Eu já havia escolhido o
que queria fazer", recorda. Aos
15, integrava a Banda Sinfônica
Jovem, e hoje, aos 19, faz parte
da Orquestra Experimental de
Repertório, no Teatro Municipal. Ele tentou a vaga por três
anos. "Há muitos campos para
a música, mas eu gosto da "performance'", conta Longo, premiado no último Festival de
Inverno de Campos do Jordão.
Trabalho precoce
Ao começar cedo, o músico
acaba entrando prematuramente no mercado de trabalho.
"Como não há apoio do Estado,
o aluno tem de trabalhar desde
cedo, prejudicando a formação", diz a socióloga Dilma Marão Pichoneri, que acompanhou por dois anos o cotidiano
de trabalho dos músicos da Sinfônica do Teatro Municipal.
O estudo foi tema de seu
mestrado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
e integra o projeto "Trabalho e
Formação no Campo da Cultura: Professores, Músicos e Bailarinos", financiado pela Fapesp (instituição de apoio).
A fragilidade dos contratos
empregatícios é uma das observações da equipe. "Esperávamos encontrar nos teatros
públicos um trabalho vinculado a direitos sociais. No entanto, constatamos a sistemática
supressão de postos formais de
trabalho durante os anos 90 e o
aumento de contratos renovados a cada cinco meses -formas precarizadas de trabalho."
Apenas 40% dos músicos da
Sinfônica Municipal têm contratos formais e são estáveis.
Os demais são contratados via
dotação orçamentária.
Não-formais
O cenário piora quando considerado todo o universo de
trabalhadores. Dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) analisados
pela professora da Unicamp Liliana Segnini apontam que só
10,9% dos compositores, músicos e cantores têm vínculo formal de trabalho. A maioria
(71,4%) trabalha por conta própria ou sem registro (13,9%).
Além disso, a renda mensal
desses trabalhadores é de
R$ 826 -bem abaixo do salário
de algumas orquestras sinfônicas, nas quais o músico erudito
recebe em torno de R$ 5.000.
Com o vínculo de trabalho
em constante ameaça, o que
impede a dedicação exclusiva, a
classe se rende a uma alternativa comum nesse universo: o cachê, ou a multiplicidade de fontes de renda (leia mais à pág. 3).
"Esse movimento tem um
forte pé na precarização. Será
que ele faz cinco casamentos
no fim de semana porque gosta?", questiona Pichoneri, que
pretende aprofundar a discussão em sua tese de doutorado.
Para a premiada maestrina
Érika Hindrikson, 35, "ter outros trabalhos é uma garantia".
"O músico é contratado como
prestador de serviços", diz ela,
regente-assistente da Banda
Sinfônica do Estado e professora da Universidade Livre de
Música. Em licença-maternidade de seu primeiro filho, ela
conta que, por não ter vínculo
formal, teve de fazer um "acordo de cavalheiros" para ter direito à pausa. "Não houve problemas, mas espero que meu
lugar ainda esteja lá", brinca.
"O cargo é muito cobiçado."
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