São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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ENTREVISTA/CLEMENTE NÓBREGA

"Gestão é a chave para o funcionário colaborar"

"O mundo empresarial é medíocre", analisa o consultor, que critica os modismos e a falta de inovação

Um libelo contra os modismos na área de gestão, o livro "Empresas de Sucesso, Pessoas Infelizes?" (editora Senac), do consultor e palestrante Clemente Nóbrega, provoca a reflexão com afirmações polêmicas.
Ele critica o que chama de "paulo-coelhismo empresarial" e os livros de auto-ajuda voltados à gestão. "Os autores tentam dar substrato científico às propostas, mas partem de uma concepção falsa: a de que o ser humano é cooperador por natureza. Está errado. Somos desenhados pela biologia para pensarmos primeiro em nós, não no grupo. A única coisa que faz com que pessoas gerem resultado comum é a gestão", diz.
Veja a seguir trechos da entrevista com o consultor.

DENISE RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

FOLHA - Por que é um erro vincular resultado a atributos de personalidade?
CLEMENTE NÓBREGA
- Porque não existem pessoas especiais, mas pessoas certas para desempenhar as funções desenhadas por determinada empresa. A AmBev, por exemplo, tem certo perfil que pode não se adequar a outra organização.
No livro cito muito o Jack Welch, que transformou a GE (General Electric) em um modelo de administração, mesmo tomando atitudes heterodoxas -ele demitiu 100 mil pessoas, com a empresa dando certo.
Ex-integrantes da equipe de Welch eram disputados pelo mercado, na esperança de que reproduzissem o sucesso da GE em outros lugares. Isso não aconteceu, pois o momento e a cultura eram outros. Fora do contexto da GE eles se mostraram competentes, mas não geniais. Eram especiais para a GE. Então recomendo que as organizações não procurem pessoas especiais, mas que introduzam mecanismos de gestão.

FOLHA - Como fugir dos modismos e das receitas prontas dos livros de auto-ajuda?
NÓBREGA
- Entendendo que essa história de espiritualidade do executivo, de empresa mística, de "líder servidor" -a onda mais recente- é muito superficial, uma coisa boba.
Mas o mundo empresarial é medíocre, não exerce espírito crítico. Gestores de recursos humanos preferem idealizar o ser humano e se apegar a conceitos politicamente corretos. Não somos cooperadores naturais, há uma tonelada de evidências que provam isso. Sempre vai surgir alguém para tirar partido do trabalho alheio.
Antigamente se pensava que gestão era sobre competências em finanças, tecnologia, logística, fabricação. Só que essas coisas se compram. Gestão é sobre gente. Somos egoístas. É besteira tentar lutar contra isso, é parte do que nos define como humanos. Pessoas trabalham juntas para maximizar resultados e porque a divisão do trabalho é boa para todo mundo.

FOLHA - Por que há tantas pessoas infelizes, mesmo em empresas bem-sucedidas?
NÓBREGA
- Há várias fontes de desconforto: percepção de que os sistemas são injustos [ausência de meritocracia; privilégios a funcionários mais antigos e parentes], luta pelo poder, protecionismo, processos de decisão viciados. Há empresas que geram calor -o clima é tenso, insalubre- e as que geram luz -ambiente motivador.
Nestas a gestão funciona. Os critérios de promoção e de avaliação, por exemplo, são claríssimos. As outras não são verdadeiras, são paternalistas; o planejamento lindíssimo não é levado adiante. A empresa tem de ser coerente: é preciso agir de acordo com aquilo que diz.

FOLHA - O que há de novo em relação à gestão de pessoas?
NÓBREGA
- Apesar de todo o blablablá sobre a importância das pessoas, a falta de inovação na área de gestão é a maior falha das empresas atualmente.
Há progresso no uso de novas tecnologias, em marketing, em governança, em ferramentas de gestão, mas falta ciência à gestão de pessoas. Repito que não se conseguem bons resultados com premissas erradas.
Inveja, ciúme, apego ao poder não somem só porque somos especialistas em técnicas sofisticadas. Shakespeare, Fernando Pessoa e Millôr Fernandes, observadores da natureza humana como ela é, têm mais a ver com o tema do que qualquer especialista em gestão.

FOLHA - Explique melhor o "viés do status quo", segundo o sr. o fator mais determinante em tomadas de decisão nas empresas.
NÓBREGA
- Empresas com certos níveis de desempenho tendem a se apegar ao que dá certo. Ninguém inova naturalmente; somos animais projetados para viver fazendo a mesma coisa. O ser humano médio não muda.
Alguém tem de gerenciar a mudança, criar mecanismos que forcem essa mudança. Os mais celebrados nunca gerenciaram por exortação, criaram mecanismos que asseguram o cumprimento de regras claras.
Ninguém tem nada contra pessoas generosas, não se trata de propaganda do cinismo, da maldade. Mas trabalhar em empresas não está em nossos genes e colaborar com estranhos é antinatural.


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