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ENTREVISTA/CLEMENTE NÓBREGA
"Gestão é a chave para o funcionário colaborar"
"O mundo empresarial é medíocre", analisa o consultor, que critica os modismos e a falta de inovação
Um libelo contra os modismos na área de gestão, o livro "Empresas de Sucesso, Pessoas Infelizes?" (editora Senac), do consultor e palestrante Clemente Nóbrega, provoca a reflexão com afirmações polêmicas.
Ele critica o que chama de "paulo-coelhismo empresarial" e os livros de auto-ajuda voltados à gestão. "Os autores tentam dar substrato científico às propostas,
mas partem de uma concepção falsa: a de que o ser humano é cooperador por natureza. Está errado. Somos
desenhados pela biologia para pensarmos primeiro
em nós, não no grupo. A única coisa que faz com que
pessoas gerem resultado comum é a gestão", diz.
Veja a seguir trechos da entrevista com o consultor.
DENISE RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
FOLHA - Por que é um erro vincular
resultado a atributos de personalidade?
CLEMENTE NÓBREGA - Porque não
existem pessoas especiais, mas
pessoas certas para desempenhar as funções desenhadas
por determinada empresa.
A AmBev, por exemplo, tem
certo perfil que pode não se
adequar a outra organização.
No livro cito muito o Jack
Welch, que transformou a GE
(General Electric) em um modelo de administração, mesmo
tomando atitudes heterodoxas
-ele demitiu 100 mil pessoas,
com a empresa dando certo.
Ex-integrantes da equipe de
Welch eram disputados pelo
mercado, na esperança de que
reproduzissem o sucesso da GE
em outros lugares. Isso não
aconteceu, pois o momento e a
cultura eram outros. Fora do
contexto da GE eles se mostraram competentes, mas não geniais. Eram especiais para a GE.
Então recomendo que as organizações não procurem pessoas especiais, mas que introduzam mecanismos de gestão.
FOLHA - Como fugir dos modismos
e das receitas prontas dos livros de
auto-ajuda?
NÓBREGA - Entendendo que essa história de espiritualidade
do executivo, de empresa mística, de "líder servidor" -a onda mais recente- é muito superficial, uma coisa boba.
Mas o mundo empresarial é
medíocre, não exerce espírito
crítico. Gestores de recursos
humanos preferem idealizar o
ser humano e se apegar a conceitos politicamente corretos.
Não somos cooperadores naturais, há uma tonelada de evidências que provam isso. Sempre vai surgir alguém para tirar partido do trabalho alheio.
Antigamente se pensava que
gestão era sobre competências
em finanças, tecnologia, logística, fabricação. Só que essas coisas se compram. Gestão é sobre
gente. Somos egoístas. É besteira tentar lutar contra isso, é
parte do que nos define como
humanos. Pessoas trabalham
juntas para maximizar resultados e porque a divisão do trabalho é boa para todo mundo.
FOLHA - Por que há tantas pessoas
infelizes, mesmo em empresas
bem-sucedidas?
NÓBREGA - Há várias fontes de
desconforto: percepção de que
os sistemas são injustos [ausência de meritocracia; privilégios a funcionários mais antigos e parentes], luta pelo poder,
protecionismo, processos de
decisão viciados. Há empresas
que geram calor -o clima é tenso, insalubre- e as que geram
luz -ambiente motivador.
Nestas a gestão funciona. Os
critérios de promoção e de avaliação, por exemplo, são claríssimos. As outras não são verdadeiras, são paternalistas; o planejamento lindíssimo não é levado adiante. A empresa tem
de ser coerente: é preciso agir
de acordo com aquilo que diz.
FOLHA - O que há de novo em relação à gestão de pessoas?
NÓBREGA - Apesar de todo o
blablablá sobre a importância
das pessoas, a falta de inovação
na área de gestão é a maior falha das empresas atualmente.
Há progresso no uso de novas
tecnologias, em marketing, em
governança, em ferramentas de
gestão, mas falta ciência à gestão de pessoas. Repito que não
se conseguem bons resultados
com premissas erradas.
Inveja, ciúme, apego ao poder não somem só porque somos especialistas em técnicas
sofisticadas. Shakespeare, Fernando Pessoa e Millôr Fernandes, observadores da natureza
humana como ela é, têm mais a
ver com o tema do que qualquer especialista em gestão.
FOLHA - Explique melhor o "viés do
status quo", segundo o sr. o fator
mais determinante em tomadas de
decisão nas empresas.
NÓBREGA - Empresas com certos níveis de desempenho tendem a se apegar ao que dá certo.
Ninguém inova naturalmente;
somos animais projetados para
viver fazendo a mesma coisa. O
ser humano médio não muda.
Alguém tem de gerenciar a
mudança, criar mecanismos
que forcem essa mudança. Os
mais celebrados nunca gerenciaram por exortação, criaram
mecanismos que asseguram o
cumprimento de regras claras.
Ninguém tem nada contra
pessoas generosas, não se trata
de propaganda do cinismo, da
maldade. Mas trabalhar em
empresas não está em nossos
genes e colaborar com estranhos é antinatural.
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