S?o Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011

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"A proteção do tempo de trabalho deixa a desejar"

Para juiz, funcionário que faz hora extra com frequência e não se desliga da companhia nas férias deve mover processo pleiteando direito ao lazer

RAQUEL BOCATO
DE SÃO PAULO

Trabalhadores permanentemente conectados, com disponibilidade total para a empresa, começam a entrar na Justiça não apenas para pleitear horas extras.
No cálculo, entra também a supressão do lazer -tempo que o funcionário deixou de ficar com a família, assistir à televisão e fazer cursos.
"Se trabalho que nem condenado, deveria ser indenizado", avalia o juiz do Trabalho Otavio Calvet, autor de "Direito ao Lazer" (Labor Editora). Em entrevista à Folha, ele explica qual tem sido a aceitação nos tribunais e como calcular a indenização.
 


Folha - Como o sr. formulou o conceito de direito ao lazer?
Otavio Calvet - Foi minha dissertação de mestrado. A ideia foi estudar a eficácia desse direito fundamental, previsto na Constituição, nas relações de trabalho.
Como juiz, eu percebi que a proteção do tempo de trabalho ainda é algo que deixa a desejar no Brasil. Muita gente faz hora extra e trabalha em domingos e feriados.
Se trabalho que nem condenado, deveria ser indenizado por isso. O direito ao lazer sustenta uma restauração de cunho imaterial, moral.
O trabalho dignifica o homem, é importante, mas sua vida não pode se resumir a trabalho. Ficar com a família, estudar, ver TV, fazer o que quiser fazer [também é importante]. Isso é o que me faz crescer como ser humano, não só o trabalho.

Como tem sido a aceitação dessa teoria nos tribunais?
Tem sido aceita e negada. Está na fase de ame ou odeie.
Conheço uma decisão que utilizou o direito ao lazer para reconhecer que empregados em cargo de confiança, como executivos, teriam direito a folgas e feriados.

Quem odeia justifica o quê?
Que gera custos e que criar qualquer tipo de proteção a mais é impedir que o Brasil consiga competir com produtos que vêm da China.
Realmente é um problema sério o custo de mão de obra no Brasil. O caminho não é abandonar nem reduzir a nossa proteção, mas se proteger desses gigantes que se desenvolvem sem proteção para o ser humano.

Executivos entram com ação pleiteando isso?
A gente encontra alguns, mas, geralmente, eles estão sempre indo de uma empresa para outra e, às vezes, soa antipático usar a Justiça.
Essas pessoas são talvez as grandes sofredoras. [Elas] têm que justificar altos salários com disponibilidade quase total para a empresa.
Se tiver hora extra, se invadir tempo livre, [a empresa] terá que pagar caro. Parece que a linguagem que se entende é a do custo.

Como determinar se houve supressão do lazer?
É basicamente tentar observar se a vida da pessoa foi consumida de forma indevida. Aquela que não consegue estudar porque trabalha até tarde, que não consegue ver os filhos porque sai muito cedo e volta muito tarde.

Como é feito o cálculo?
É uma medida entre o salário e o tempo em que houve a supressão do lazer.

O que mais é pleiteado nas ações trabalhistas?
Excesso de horas de trabalho por dia e supressão de férias e folgas. Hoje existe uma cultura de não se desligar para não perder o posto.

Não cabe ao trabalhador sair tranquilo em férias?
Ele tem que ter disciplina, e o empregador não pode utilizar esse fator [medo de perder o posto] para obter trabalho em tempo livre.

Com tecnologias como smartphones, a tese ganha força?
Sim. Com as novas tecnologias não se consegue dimensionar o que é trabalho e o que é descanso.


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