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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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Profissionais com estilo político aguçado recorrem à flexibilidade e à argumentação e adoecem menos

"Jogo de cintura" amortece cobranças

DA REPORTAGEM LOCAL

Se a atual configuração do mundo corporativo é uma verdadeira fábrica de ansiedade e angústia, o antídoto pode estar na maneira de se comportar diante dela, dizem especialistas.
A pesquisa da Isma-BR aponta que funcionários que adotam um estilo comportamental político (tradução do inglês "political skills") estão menos suscetíveis a problemas de saúde. No entanto, dos 61% que enfrentavam conflito de papéis no trabalho, apenas 38% mantinham essa postura.
Durante o monitoramento dos funcionários, que teve duração total de 15 meses, a pesquisa comparou as reações dos que tinham "estilo político aguçado" às daqueles com "baixo estilo político".
O primeiro grupo apresentava variações inferiores de ansiedade cognitiva, desenvolvia menos somatizações do estresse (como taquicardia e boca seca, por exemplo) e tinha pressão sanguínea mais regular do que o segundo.
Na linguagem popular, o estilo político nada mais é do que o famoso "jogo de cintura". Ou seja, a habilidade de lidar de forma bem-sucedida com as diferentes demandas da rotina sem se abalar nem deixar que os problemas tomem dimensões ainda maiores.
"Trata-se de um conjunto de técnicas interpessoais usadas para atingir objetivos. Engloba poder de negociação, persuasão, capacidade de argumentação e influência", ilustra a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR.

Postura de surfista
Abandonar a rigidez e os comportamentos ortodoxos são premissas básicas. O cientista político e consultor organizacional australiano Ken O'Donnel compara o atual cenário do mundo corporativo a uma maré brava, na qual é preciso "surfar em vez de nadar".
"As capacidades de força e de controle rígido nos ajudam em um ambiente passivo como uma piscina. Assim foi o mundo até o fim dos anos 80. No mar bravo das circunstâncias atuais, precisamos de paciência, agilidade e rapidez para pegar a melhor "onda", além do equilíbrio e do posicionamento correto para nos manter em pé sobre a "prancha'", afirma.
Adquirir mais conhecimento de si mesmo é consenso entre os especialistas como a chave do estilo político. "Esse comportamento não é uma habilidade inata. Requer muitas mudanças de valores", diz Tatiana Wernikoff, consultora e diretora do IPO (Instituto de Psicologia Organizacional).

Estresse é energia
Fazer o estresse "desaparecer" do ambiente de trabalho é uma missão impossível, comentam os consultores. "O estresse é uma energia necessária à produção. É uma resposta do corpo aos desafios. Mas, se passa do ponto, torna-se prejudicial", esclarece Márcio Miranda, especialista em psicologia do trabalho pela USP (Universidade de São Paulo).
"Não é possível ao profissional evitar o estresse. O que se deve fazer é aprender a lidar com ele", completa Ana Maria Rossi.
A pesquisa da Isma-BR aponta também que os funcionários com bom "jogo de cintura" encaravam situações estressantes como oportunidades, enquanto os demais interpretavam o mesmo cenário como uma ameaça.
"Quem tem estilo político consegue perceber que momentos graves trazem o embrião de novidades", afirma Mário Sérgio Cortella, que recorre a um antigo provérbio árabe para reforçar a necessidade do estresse: "Homens são como tapetes, precisam ser sacudidos de vez em quando".

Poder nas mãos
O principal benefício de ser flexível o suficiente para surfar na maré de mudanças é ter o poder de não ser afogado por elas.
Ex-gerente de uma empresa da área de tecnologia, o engenheiro George Calafatis, 46, explica que conduzir o trabalho com jogo de cintura era "simplesmente a única forma viável de fazê-lo".
"Esmagado" num organograma com cinco superiores e cerca de cem subordinados ao redor dele, Calafatis tinha de "amortecer" situações críticas e não sucumbir ao estresse provocado pela síndrome do excesso de chefias.
"Quanto mais importante era a questão, mais chefes se metiam. Às vezes, o jeito era dar risada. Mas eu tendia a encarar momentos extremos como desafio, e isso me ajudava bastante. Por isso as pessoas confiavam em mim."
Confiança e credibilidade são frutos colhidos pelos que adotam o estilo político, de acordo com a pesquisa da Isma-BR. Assim como a proteção da própria saúde, que não fica tão vulnerável aos males do estresse. Por se conhecerem bem, esses profissionais geralmente enxergam a hora de acionar a calma para não adoecer.
"Na maior parte do tempo eu estava ansioso e algumas vezes me sentia angustiado. Mas ficava atento aos sinais do corpo, como dores de estômago. Quando tinha, voltava a me preocupar com a boa alimentação", diz Calafatis.
Nem sempre era possível manter o equilíbrio pleno. "Ficava tão focado nas contas da empresa que esquecia de cuidar bem do meu dinheiro, por exemplo", comenta.
Apesar de adotar o estilo político, a história dele não teve um final exatamente feliz. Desligado da empresa, hoje está vivenciando um processo de transição e pensa em abrir um negócio próprio.



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