São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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SABOTAGEM

Forma como é tratado pelo chefe e ausência de promoção ativam lado "nocivo" do funcionário

Insatisfeito, empregado se "vinga" do patrão

BRUNO LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Funcionário frustrado ou decepcionado com a empresa é capaz de coisas que o patrão nem imagina. Com sede de vingança, a mais inocente recepcionista pode se transformar em uma sabotadora de altíssima periculosidade.
Dependendo das informações a que tem acesso, o empregado pode prejudicar bastante a empresa, afirmam consultores de comportamento organizacional. E o "poder de fogo" nem sempre é proporcional à importância dada pela empresa ao trabalhador. Um porteiro que esconde intimações judiciais, por exemplo, pode causar um prejuízo de milhões.
"A sabotagem ocorre em todos os tipos de empresa, e não só nas indústrias", diz o psiquiatra Márcio Funghi Barbosa, consultor empresarial e estudioso do tema. "Outro engano é achar que ela sempre tem razões políticas. Na verdade, há motivos variados, muitos deles ligados a revoltas e a insatisfações pessoais."
Para Peter Frost, professor de comportamento organizacional na Universidade de British Columbia, no Canadá, quando as pessoas acreditam que estão sendo tratadas injustamente, principalmente por seus superiores, podem se revoltar e tentar "empatar o jogo". "Uma vez que a lealdade foi destruída, o funcionário fica mais propenso à sabotagem", diz.
Segundo o psiquiatra e consultor Isaac Efraim, a inveja, que tem sua raiz no ambiente de competição, é outra causa da sabotagem. No local de trabalho, isso aparece nas críticas, nas atitudes de má vontade, nas fofocas e até em complôs armados para prejudicar o invejado, diz o médico. "O tropeço do outro passa a ser o maior prazer."

"É de graça"
Com salário mensal de R$ 600, C., 21, deu em poucos dias um prejuízo de R$ 800 à escola de informática em que trabalha, no Rio de Janeiro.
Ela explica que a escola dá um prazo para que os alunos façam a prova final do curso. Quem perde a data ou é reprovado tem nova chance de fazer o exame, desde que pague taxa de R$ 40. "Liberei a taxa para mais de 20 [alunos]. Mas foi por raiva, não é algo que eu vá fazer sempre", argumenta.
O motivo da irritação, diz ela, é a diferença com que a firma trata cada funcionário. "Há incentivos e treinamento para alguns empregados, mas não para todos. Meu chefe diz que não me dá aumento porque meu departamento [o administrativo] não dá lucros."

"V de víbora"
Já M., 27, assistente de marketing, conta que tinha vários atritos com sua chefe. "Ela sabia menos sobre o trabalho do que eu."
Prevendo que seria demitido, resolveu se "divertir": criou o blog "V de víbora" (inicial do nome da chefe) para fazer piadas sobre a inteligência dela.
O endereço foi informado a colegas escolhidos estrategicamente. "Depois de um tempo, ela pediu demissão alegando razões pessoais. No último dia, me mandou embora. Mas valeu a pena."
A professora de educação física T., 26, não recebia seu salário há três meses. "Decidi dar o troco. Não foi a primeira vez que trabalhei em escola que não pagava, mas nessa o diretor era arrogante e prepotente", justifica.
Primeira medida: passou a liberar os alunos mais cedo e riscou a palavra disciplina de seu vocabulário. "Os alunos faziam o que queriam. O barulho da aula atrapalhava a escola inteira."
Segundo passo: querendo ser demitida, chegava atrasada à escola e faltava a reuniões. "O diretor não me demitiu, acredita?"
Veio então a cartada final. "Espalhei aos quatro ventos que ele era trambiqueiro. Falei isso para os alunos, para as mães, falei até no salão [de beleza] do bairro."
Resultado? "O diretor estava tentando comprar uma outra escola do bairro, mas o negócio não deu certo por minha causa. Foi minha maior maldade", conta ela.

De olhos bem abertos
O empresário Steven Kahn, 49, dono da FuturaTech, que fabrica artigos para decoração de eventos, conta que já enfrentou alguns problemas com o vazamento de informações estratégicas. "Agora, agimos para conscientizar os empregados de que eles também perdem quando a empresa perde."
Décio Almeida Franco, gerente corporativo de RH da Multi Participações, que, entre outros produtos, fabrica cigarros e adoçantes, diz que a empresa tem buscado sensibilizar os funcionários para uma "cultura organizacional", mas que os trabalhos na linha de produção são fiscalizados.
Na operação das máquinas, um funcionário poderia alterar com facilidade o ritmo de produção ou a medida para o corte dos cigarros. "Temos supervisores, mas evitamos o clima de policiamento. A política é confiar no empregado."
A origem da palavra sabotagem está ligada à palavra francesa "sabot", que significa "tamanco". Há quem diga que o termo nasceu no século 19, na França, quando operários em greve jogaram tamancos nas engrenagens das máquinas, impedindo seu funcionamento.


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