UOL


São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

Próximo Texto | Índice

TESTES PROIBIDOS

Conselho Federal de Psicologia suspende uso de exames comuns em processos seletivos

50% das provas psicológicas são ineficazes

Fernando Moraes/Folha Imagem
Alexandre Robles Pinto, que passou a errar testes de propósito


PAULA LAGO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Completar figuras usando a lógica, fazer desenhos aleatórios em uma série de quadros, escrever um texto de próprio punho para ser avaliado. Testes como esses, muito comuns em processos de seleção há pelo menos 40 anos, tiveram sua aplicação proibida pelo Conselho Federal de Psicologia.
Numa decisão inédita, o conselho verificou 118 testes psicológicos. Desses, desde o dia 6 de novembro, 54 foram suspensos, 49 receberam a aprovação e outros 15 permanecem em análise. Segundo o CFP, em todo o mundo, apenas a Espanha havia feito uma tentativa de analisar a confiabilidade desse tipo de avaliação.
Não foram considerados apenas os que são utilizados em recrutamento e seleção, mas todos os testes psicológicos que tenham sido enviados ao conselho. Assim, estão incluídos os de avaliação para Carteira Nacional de Habilitação e os utilizados nas decisões judiciais sobre guarda de crianças, por exemplo.
"Essa é uma ação técnica, que busca qualificar o instrumento de trabalho do psicólogo. Estávamos preocupados com a qualidade dos testes realizados no país, principalmente ao detectarmos que vários deles são usados há décadas no Brasil e nunca foram avaliados", explica Ricardo Moretzsohn, conselheiro do CFP e coordenador da avaliação.
"Não ter condições de uso não significa que o teste não tenha qualidade. Ele pode ser adequado, mas para uma outra cultura." Isso porque grande parte dos exames são "importados" de outros países e, ao cruzar as fronteiras, raramente são feitos os ajustes necessários ao perfil brasileiro.
Segundo Moretzsohn, antes de ser indicado como confiável, o teste deve ser aplicado a uma amostra da população local, para que possam ser feitas as adaptações necessárias. "Os perfis das populações são diferentes, as culturas são distintas, e isso interfere no resultado dos testes", diz.
A insatisfação com os exames não partiu exclusivamente do conselho. Das ligações recebidas pelo CFP, 80% são de pessoas que têm reclamações sobre a credibilidade dos testes, entre elas profissionais em busca de recolocação.

Resultado-surpresa
O caso do técnico em edificações Alexandre Robles Pinto, 22, é emblemático. Um processo seletivo de que participou há dois anos incluía um teste em que o candidato deveria completar as figuras.
Teste feito, a avaliadora o chamou e elogiou o desempenho. Então veio o alerta: como ele havia acertado quase 100%, isso revelaria uma tendência à loucura.
"Como era um teste de lógica, fiquei surpreso com a afirmação e passei a manipular exames que fiz a partir desse dia, errando propositalmente algumas sequências", conta Pinto. "Acho que esse não é o melhor método de avaliação. Não há como conhecer a pessoa se ela pode distorcer o que foi pedido para se adequar ao padrão."
Psicóloga e especialista em desenvolvimento de carreiras, Marianita do Rocio Xavier afirma que a inabilidade do profissional que aplica o teste pode provocar distorções no resultado.
"Muitas vezes ela beira a irresponsabilidade. Às vezes, você perde alguém com um conjunto de conhecimentos e atitudes diferenciados por conta de uma análise que tem resultado pontual, não muito abrangente."
Patricia Molino, diretora de assessoria em gestão de RH da KPMG, lembra que qualquer teste que não conte com interação pessoal deve ser um instrumento acessório, não podendo ser o fator predominante numa seleção.
"Tratam-se de mecanismos de suporte à percepção obtida durante uma entrevista ou uma dinâmica. A escolha do teste tem importância, mas a forma como o profissional de seleção vai usar o resultado obtido é fundamental", avalia a especialista.



Próximo Texto: Banalização dos exames gerou "experts" em forjar resultados
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.