São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Análise da cultura estratégica reforça auto-conhecimento

Para acadêmico francês, brasileiros devem aprender com o senso japonês de coletividade

Divulgação
Pierre Fayard diz que samurais simbolizam a cultura japonesa


ÓSCAR CURROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Devido às distâncias culturais, até os mais experientes executivos ocidentais podem se sentir "perdidos" em viagens a países como a China e o Japão. E é essa diferença o principal assunto explorado pelo professor francês Pierre Fayard em "O Acordar do Samurai" (Dunod/Polia, 20, 248 páginas). O livro, que analisa o modo de trabalho japonês na sociedade do conhecimento, condensa mais de 20 anos de pesquisa. "Minha idéia é que é muito importante explicitar a cultura estratégica de um país. Ela é algo implícito, tácito", comenta. Na avaliação de Fayard, aprender a ler nas entrelinhas dessas diferentes culturas é um caminho para o crescimento -seja individual, seja coletivo. Veja, a seguir, algumas das dicas para desvendar as culturas orientais destacadas pelo autor em entrevista concedida com exclusividade à Folha.

 

FOLHA - Como é possível revelar a cultura estratégica de um país?
PIERRE FAYARD
- É necessário distanciar-se dela e estudar uma outra que faça contraste. Por exemplo, nos Estados Unidos, quando há um problema, faz-se referência à documentação técnica. Já na China, avalia-se o potencial das coisas. No Brasil, quando há um problema, recorre-se ao "jeitinho".

FOLHA - Quais são as principais diferenças entre o "jeitinho" brasileiro e a cultura estratégica oriental?
FAYARD
- O "jeitinho" é tático. Ele supõe uma confiança enorme do ator em si mesmo. Um europeu, quando se vê em uma situação racionalmente intransponível, desiste. Mas o brasileiro fica tranqüilo, pois confia que reverterá a situação. O que há em comum entre orientais e brasileiros é a crença de que, com o tempo, tudo pode melhorar. Isso significa que o status e as relações de força não perduram para sempre. Mas também há diferenças, sobretudo no ritmo: o "jeitinho" pode ser muito rápido, enquanto a estratégia oriental precisa de muito tempo.

FOLHA - O que há de comum entre as culturas chinesa e japonesa?
FAYARD
- As duas têm uma visão próxima: o mundo é uma transformação permanente, em que o fixo é a mudança. Para pensar as diferenças, há duas figuras emblemáticas: o mandarim e o samurai. O mandarim é um letrado, um sábio a serviço do império chinês. O objetivo desse funcionário é mais político: manter a união, o equilíbrio e a harmonia, para não provocar revoluções. Já o samurai é um guerreiro que está totalmente a serviço de seu mestre. E, para isso, tem de se aperfeiçoar continuamente, com grande auto-exigência. Ele considera que seu caminho natural é a morte.

FOLHA - No Japão, conserva-se a cultura do trabalho tradicional?
FAYARD
- A situação está mudando um pouco, mas o sentido de coletividade se mantém. A sociedade japonesa é uma espécie de família, em que o coletivo dá sentido às individualidades. No cartão pessoal de um japonês, primeiro aparece o próprio país. Depois, o nome da empresa, o setor, até chegar ao nome da pessoa.

FOLHA - Quais são as mudanças trazidas pela sociedade do conhecimento àquele país?
FAYARD
- Como algo novo, começa-se a insistir na importância da atividade individual: o jeito mais pessoal de desenvolver o trabalho reforça o grupo. O importante não é apenas a gestão da informação -mas sua transformação em conhecimento. Toda a coletividade se beneficia, pois essa prática faz com que a cultura japonesa se atualize continuamente. Já entre ocidentais é diferente. O indivíduo procura no grupo seu próprio fortalecimento.

FOLHA - O sr. diz que os japoneses aproveitam as tecnologias para constituir comunidades de conhecimento. Isso seria possível no Brasil?
FAYARD
- Uma comunidade estratégica de conhecimento precisa de interações a serviço de um objetivo comum. O Brasil é um país muito individualista, onde há muito entusiasmo. As pessoas poderiam colaborar em uma tarefa coletiva. No entanto, é preciso sempre levar em conta diferenças regionais.


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