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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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PROVA DE REGULARIDADE

Empresas buscam equipes estáveis e tentam prevenir períodos ruins dos seus funcionários

Mercado quer evitar profissional 'de fases'

Fernando Moraes/ Folha Imagem
Luiz Sanches, diretor de criação, diz ter aprendido que não dá para ter idéias geniais o tempo todo


PAULA LAGO
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Ainda não é exigência explícita, mas outra característica vem se agregar à extensa lista de atributos valorizados hoje pelo mercado. Além de serem competitivos e criativos, de terem espírito de liderança, de falarem inglês, entre outras qualidades, agora os candidatos a um emprego e os funcionários já contratados devem apresentar também regularidade.
O termo aqui significa manter harmonia no "gráfico de produção". "Quanto mais estável for o profissional e por menos fases ruins passar, melhor", afirma o vice-presidente de recursos humanos da American Express, Salvador Evangelista Júnior, 52.
"Por isso um acompanhamento próximo por parte do gestor é fundamental. Senão um problema de desempenho se agrava e pode não ter solução", completa.
Tanto os fatores da vida pessoal como os da profissional afetam o desempenho do funcionário. "Isso faz parte da carreira. Estamos expostos a situações novas que nem sempre podemos controlar. O importante é reagir da melhor forma possível", diz Sandra Rietjens, gerente de assuntos corporativos da multinacional Danone.

Trem-fantasma
Há momentos em que a vida profissional flui perfeitamente, as metas são batidas, os prazos, cumpridos. Em outros, ela parece estar em um trem-fantasma desgovernado: tudo dá errado.
O representante de atendimento ao cliente Felipe da Silva Souza dos Santos, 23, passou por situação semelhante. Em 2000, a empresa que o havia contratado dois anos antes como estagiário decidiu terceirizar a área em que ele atuava. Havia duas opções: tornar-se autônomo ou sair da firma.
"Decidi pela terceirização", conta. "Foi uma época de grandes dificuldades, pois fui pego desprevenido. Eu tinha um plano de carreira, poderia ser promovido a supervisor e, de repente, perdi isso, além de benefícios trabalhistas."
Mas o problema não foi apenas financeiro. "Eu me senti excluído. Fazia o mesmo trabalho, só que ganhando menos. Perdi o orgulho de ser funcionário", afirma.
Pouco a pouco, o desempenho de Santos foi afetado, e seu chefe percebeu. "Ele me chamou para conversar e disse que entendia minha situação, mas que eu era muito importante para a equipe. Isso foi fundamental, e hoje vejo a situação de outra forma", conta.
Carmem Lúcia Rittner, 58, professora de psicologia do trabalho da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), diz que a situação reflete a transformação ocorrida nas relações de trabalho. "Não há mais o emprego vitalício, mas um trabalho que proporciona desafios. A questão é: se for só para extrair forças do trabalhador, vai ser prejudicial a ambos no médio prazo", observa.
"Altos e baixos fazem parte da lida diária com o trabalho. O que diferencia a performance é não deixar a má fase se prolongar", diz Liliana Guimarães, 49, diretora do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Recuperação
Conseguir recuperar-se de uma má fase depende de identificar antes o problema, o que nem sempre parte do funcionário. Um chefe atento percebe quando alguém da equipe não está rendendo como antes, mas o sinal vermelho pode vir até do departamento de RH, por meio da análise de avaliações periódicas.
"Nessas avaliações, olhamos em que o funcionário se destaca, se ele discorda de algo na empresa e em que precisa se desenvolver. Se houver um canal aberto com o gestor, evitam-se situações insustentáveis", diz Evangelista Júnior.
De acordo com Rietjens, se o profissional não tem uma reação positiva, isso pode culminar com uma demissão. "Porém, na maioria dos casos, há reação, e isso acontece somente após a implementação de um plano de melhoria específico, com período estabelecido para uma reavaliação."
Juliana Santos Monteiro, 25, historiadora e pesquisadora, recorreu ao aperfeiçoamento pessoal para dar a volta por cima.
No final do ano passado, apresentou um quadro depressivo devido a uma sobrecarga de trabalho aliada à falta de reconhecimento salarial e ao cansaço, pois, em três anos, não tirou férias.
"Abri o jogo com a gerência, disse que o salário não me agradava e que não via meu trabalho sendo reconhecido", lembra.
Monteiro continua na empresa e, apesar de não ter conseguido aumento ou férias, diz que driblou a má fase depois de ter focado sua carreira em projetos paralelos. "Hoje invisto mais em mim. Estou fazendo uma pós e tenho planos de montar uma empresa. O incentivo veio de mim mesma."

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