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Outras Ideias

MICHAEL KEPP - mkepp@terra.com.br

Retornos e descobertas

A maioria de meus colegas decidiu ficar, se enquadrar, competir; eu fui explorar o mundo

Retornar para a cidade natal após muitos anos pode ser uma descoberta. Ou, como escreveu T.S. Eliot: "Não cessaremos de explorar/e o fim de toda nossa exploração/será retornar para onde começamos/e conhecer o lugar pela primeira vez".

Como Eliot, nasci em St. Louis, Missouri, e me radiquei em outro país. Redescubro minha cidade natal a cada dez anos, quando volto para um reencontro com centenas de antigos colegas de escola.

A cada retorno enxergo mais claramente a cidade, seu papel em minha vida e quem eu me tornei.

No primeiro reencontro, quando eu tinha 28 anos, quase todos os meus ex-colegas ainda viviam ali e tinham se tornado profissionais de colarinho branco, enquanto eu era garçom em Miami, um bico que fiz durante anos viajando de carona.

No último reencontro, quando eu tinha 58 anos, meus ex-colegas estavam no auge das suas carreiras. Eu tinha passado os últimos 25 anos no Rio como escritor e jornalista freelancer.

No último reencontro ficou mais claro do que nunca o quanto eu tinha resistido à atração gravitacional da minha cidade natal. Enquanto a maioria de meus colegas decidiu ficar na cidade, se enquadrar e competir, eu me libertei e fui explorar o mundo.

Minha odisseia terminou no Brasil, o que me deu a perspectiva necessária para enxergar o provincianismo do lugar que deixei para trás.

No último reencontro, em 2008, quase todos os meus colegas ainda eram centristas ou tinham virado conservadores, enquanto eu era um progressista atípico, convencido de que o candidato Obama era moderado demais para merecer meu voto.

Como crescemos num subúrbio judaico, todos eles eram pró-Israel, posição que alguns promoviam.

Foi quando manifestei minha oposição à opressão dos palestinos por Israel e aos planos deste, cedo ou tarde, atacar o Irã e deslanchar uma guerra incontrolável.

Alguns colegas também se escandalizaram com minhas críticas à nossa pátria, especialmente ao seu militarismo. Outros ficaram tão curiosos sobre minhas posições políticas quanto eu sobre as deles.

Nesse último encontro, meus colegas e eu viramos espelhos mútuos, o que nos permitiu enxergar a nós mesmos e ao mundo em que crescemos de ângulos novos e reveladores. O que vi foi uma ovelha negra que se desviou tanto que virou um outsider para alguns e um pária para outros. E isso fez de meu último retorno a St. Louis uma descoberta.

MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record)
www.michaelkepp.com.br

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