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Neuro

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

Bicicletas, bolas e bambolês

Lembrar do tempo do vôlei exigiu esforço, mas meu cerebelo recalibrou aqueles programas motores

DIZEM QUE a gente nunca desaprende a andar de bicicleta, mesmo após anos sem se equilibrar em duas rodas. Até onde sei, é verdade.

Constatei recentemente que o mesmo se aplica a jogar bola: 20 anos mais tarde, graças a uma amiga dos tempos da escola e um clube perto de casa, descobri que ainda sei jogar vôlei!

Manchetes aparam a bola e a levam ao destino desejado; toques parecem até mais potentes e controlados do que quando eu era adolescente. Incrível.

O feito se deve aos núcleos da base, estruturas em forma de globo situadas abaixo do córtex cerebral, no meio do cérebro. Eles são acionados quando o córtex motor executa sequências novas de movimentos e vão lembrando dessas sequências conforme são repetidas, ajudando o córtex a dar as ordens certas na hora certa.

Com a prática, os núcleos da base chegam ao ponto de guardar programas inteiros, que o córtex, então, apenas executa. E assim, um movimento complexo, como coordenar pernas, tronco e braços para cortar a bola, sai de maneira automática, sem que seja preciso pensar nele ou em seus elementos.

Lembrar o tempo da bola, por outro lado, exigiu algum esforço, mas, aqui, meu cerebelo que veio ao meu socorro, recalibrando aqueles programas motores em apenas algumas tentativas.

Curiosamente, a prova de quão bem entranhados esses programas motores para jogar vôlei ficaram em meu cérebro durante a adolescência é justamente quão difícil é modificá-los. Durante o tempo que fiquei sem jogar, mudaram as regras e agora não só se pode como se deve usar toque para tudo, mesmo saques. Mas ainda não consigo: os programas que preparam a manchete são lançados antes que eu tenha tempo de vetá-los. E tome bronca do professor...

Mas algumas coisas se perdem com o tempo ou se misturam com outras e vão degenerando. Ou, talvez, sucumbam porque os músculos não respondem mais da mesma maneira. Primeiro, desaprendi a sacar por cima. Qualquer que seja a causa, com certeza estou usando os músculos errados, porque força eu tenho.

Mais vexaminoso, contudo, é o bambolê. Quando criança, achava divertidíssimo acompanhar as tentativas frustradas de minha mãe para manter um bambolê rodando na cintura -o que para mim era facílimo. Mas hoje... também não consigo mais. Será a idade que já me enrijece o corpo ou só falta de prática?

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para Uma Vida Melhor" (Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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