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Pedagogia dos games

Jogos melhoram habilidades cognitivas e de percepção, mas não devem ter papel central na sala de aula, dizem cientistas

MARCELO LEITE ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO

Se você não consegue derrotar o inimigo, una-se a ele. Após anos de oposição a games, vistos como viciantes e competidores pelo tempo e pela atenção do aluno, alguns psicólogos e pedagogos começam a descobrir que eles podem ser aliados em áreas específicas de aprendizado.

Essa aproximação entre jogos e sala de aula foi delineada numa concorrida sessão do encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), no último sábado, em Chicago. Tudo começou com a demonstração de que games não fazem mal à vista, como se afirmava no passado.

Uma pioneira no campo é a neurocientista Daphne Bavelier, das universidades de Rochester (EUA) e Genebra (Suíça), estrela do painel da AAAS. Ela vem publicando há mais de dez anos pesquisas que comprovam um claro aumento da acuidade visual entre jovens jogadores.

E tem mais: jogos "violentos" funcionam melhor. Claro que não é a violência de games como "Unreal Tournament" que faz bem aos olhos, mas o fato de o desempenho do jogador depender de sua capacidade de atingir alvos em movimento --e os jogos dessa categoria mais populares no mercado tendem a ser os mais violentos, também.

Um dos experimentos de Bavelier comparou dois grupos de jovens que jogaram 50 horas ao longo de nove semanas. O primeiro foi submetido a jogos de ação ("violentos"), e o outro, a um game mais ameno como "Os Sims".

Os dois grupos demonstraram melhora na percepção de contraste --algo útil para quem precisa dirigir à noite, por exemplo. Mas os que se dedicaram a jogos de ação tiveram ganho de 43%, contra apenas 11% da turma dos "Sims", e esse efeito perdurou por vários meses.

OLHOS PREGUIÇOSOS

Acuidade visual é a grande deficiência das pessoas com ambliopia, o "olho preguiçoso". Essa condição, em geral resultante de problemas no desenvolvimento do sistema visual em crianças, faz com que elas deixem de usar um olho e percam a visão de profundidade, propiciada pelo ângulo entre os dois olhos.

Bavelier passou então a investigar, em colaboração com Dennis Levi (Berkeley) e David Knill (Rochester), a possibilidade de empregar games para tratar a ambliopia. Com sucesso. "Não é o olho [que melhora], mas o cérebro", diz a neurocientista.

Em 2011, Levi publicou no periódico "Plos Biology" um estudo piloto com 20 jovens adultos que exibiam esse problema de visão. O trabalho mostrou que duas horas diárias de exercícios com games podem originar ganhos de 16% a 54% em diferentes parâmetros de acuidade visual.

Mais importante, esse resultados vieram cinco vezes mais depressa que os obtidos com o tratamento tradicional (tapar o olho bom). E sugerem que podem ser obtidos efeitos permanentes, no caminho oposto da crença de que os circuitos cerebrais para a visão amadurecem cedo e que, portanto, seria muito difícil religá-los.

Bavelier já obteve, em 2012, uma patente para um sistema que utiliza games para tratar ambliopia. Seu sistema desafia os circuitos do olho preguiçoso diminuindo o contraste da imagem que ele enxerga, idêntica à que o olho bom recebe, porém com contraste normal.

A neurocientista não parou por aí. Ela também patenteou a ideia de empregar os jogos para melhorar a capacidade de estimar um número aproximado de objetos, sem contá-los --algo que, em crianças, está associado ao bom desempenho no aprendizado de matemática. "Nosso objetivo é alinhar a mecânica dos games com desafios matemáticos, fazendo os jovens se interessarem por eles."

DIVERSÃO X ENSINO

Essa é a especialidade de Daniel Schwartz, da Universidade Stanford, o segundo a falar no painel da AAAS. Ele criou o seu próprio game, "Critter Corral", para estimular a prontidão matemática de crianças de 3 a 4 anos (o jogo pode ser baixado de graça pelo iTunes).

Schwartz retomou o tema da sessão "" "É claro que eles estão se divertindo, mas estão aprendendo alguma coisa?" "" para responder com um sonoro "não" à pergunta.

Com isso ele quis dizer que o aprendizado obtido com jogos pouco tem a ver com explicações, a atividade central do ensino escolar. No fulcro dos games está uma experiência emocional, e não intelectual, diz o cientista.

"Mas os jogos não são inúteis para escolas. Boas experiências podem preparar as crianças para as explicações", diz Schwartz.

Isso ficou claro para ele após um experimento em que dois grupos jogaram por 15 horas os games "Call of Duty" (de combate em primeira pessoa) e "Civilization" (de estratégia). Em seguida, eles tiveram de realizar tarefas cognitivas relacionadas com a Segunda Guerra e com o desenvolvimento de nações.

A tarefa envolvia formular perguntas de entendimento sobre textos curtos a respeito desses dois temas. As questões propostas pelos participantes foram depois pontuadas por sua pertinência.

Os games não continham informação específica sobre os temas. No entanto, aqueles que jogaram "Call of Duty" se saíram melhor na tarefa sobre a Segunda Guerra. Quem jogou "Civilization" teve desempenho superior nas questões sobre nações.

Schwartz oferece algumas lições para quem quiser desenvolver games educacionais: eles são bons para estimular a percepção e o interesse em áreas de conhecimento, não para informar conteúdo, e só funcionam se criarem uma boa experiência. Portanto, a pior coisa que um designer de game pode fazer é enchê-lo de explicações.


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