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Anna Veronica Mautner

O que fazemos com nossas mãos

Viva as chatíssimas aulas de caligrafia, que servem para adestrar o dedão, essencial para atividades humanas

E o indicador derrota o polegar... Estará, quem sabe, começando uma nova era da humanidade?

Na mão, temos o dedão. O dedão permite que a gente pegue, agarre, puxe, faça pinça.

Para empurrar, não precisamos dele, mas, para muitas outras atividades específicas nossas, seres humanos, é essencial. Não adianta nada ter um dedão que não seja para pegar, que não consiga imobilizar, conter matéria sólida.

Numa mão dotada de polegar opositor, muitos sólidos viram ferramentas.

No filme "2001 -Uma Odisseia no Espaço", vemos uma cena inesquecível: é quando o hominídeo transforma um galho em um instrumento de bater. Uma ideia que mudou a história.

A tecnologia vem substituindo esse instrumento (aperfeiçoando sua pontaria) por "programas". Para desencadeá-los, basta apertar um botão ou uma tecla.

Eis aí a vitória do indicador sobre o polegar. O que será que isso vai significar na história da humanidade? Que humanidade nascerá da vitória do indicador?

Para escrever, desenhar, dobrar, colorir, o polegar é indispensável. Uma bela caligrafia ainda é cobiçada, por exemplo, para subscrever convites para grandes festas. Creiam-me, ainda existem calígrafos -gente que ganha a vida escrevendo bonito.

Ainda se usa o dedão para abrir o zíper, o fecho de velcro e também para enfiar a linha na agulha, com a qual se costura botões.

Para lapidar pedras preciosas, mexer comida na panela, o polegar opositor continua tendo valia. A mão, que não é pata, segue servindo para muitas atividades do cotidiano e mesmo da produção industrial.

Apesar da ampla substituição das funções do polegar, eu ainda acho que vale a pena adestrar as crianças para o uso da mão.

A escola é o lugar ideal para desenvolver as numerosas aptidões necessárias para montar as máquinas realizadas a partir de desenhos feitos por mãos hábeis.

Para chegarmos a construir essas máquinas que têm o botão ou a tecla, campo predileto do indicador, passamos por algumas etapas, se não muitas, nas quais tivemos que pegar, dobrar, colocar, parafusar, medir.

Para desencadear ondas sonoras, precisamos de um receptor e de um emissor. Todos eles foram montados por mãos, mesmo que encontremos alguns robôs pelo caminho.

Desenhos antecedem tudo.

Ainda bem que a bicicleta voltou à moda (seguramos o guidão). A moto continua garantindo seu lugar ao lado do automóvel, parcialmente botão e parcialmente direção. E, por enquanto, para trocar um pneu, ainda lançamos mão do dedão.

Por essas e outras, defendo que crianças devem continuar a dominar o uso da mão. Com o dedão ativo, foi essa mão, dominada pelo cérebro, obediente a ele, que tornou possível os nossos sonhos.

E viva a escrita cursiva e as chatíssimas aulas de caligrafia!

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de ão Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)

ROSELY SAYÃO
A colunista está em férias.

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