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Anna Veronica Mautner

Nem sempre é bom ser o predileto

Os 'queridinhos' duvidam dos próprios méritos, mas também gostam de estar entre os escolhidos

Já vai longe o tempo (mais de meio século) em que educação visava contenção. Em linguagem coloquial, segurar as pontas.

O que quero dizer com isso? Que se dava valor a um espaço de tempo entre perceber, sentir e só então reagir, responder. Disso resultavam os chamados bons modos, compostura. Essa capacidade de se conter por um tempinho propicia clima de paz e harmonia.

Conter não é só não falar. Caras, caretas, gestos e tiques muitas vezes expressam tanto quanto palavras.

Quero pensar aqui sobre a atitude adequada de professores e pais diante de crianças.

Não é suficiente fazer uma distribuição eticamente impecável de aprovação e reprovação para que os "queridinhos" desapareçam. Muitos outros itens de aprovação são percebidos ou emitidos numa família ou numa escola.

A preferência de um adulto por alguém de um grupo de iguais deve ser disfarçada. É feio demonstrar predileção por um filho, sobrinho ou aluno. Mas que isso existe, sempre existiu e todo mundo sabia é um fato.

Na escola, professoras inevitavelmente simpatizam mais com um ou outro aluno. Mas, antigamente, faziam todo esforço para disfarçar. Quem não o fizesse era mal visto.

Na família, sempre se disse "eu não faço diferença". Na escola, nem precisa falar: é o lugar que deveria misturar democracia e meritocracia com competição. É um bolo delicado de se fazer.

Quero dizer que todas as crianças são iguais diante da escola e as avaliações são feitas de acordo com o resultado apresentado. Nesse ponto, gera-se competição.

Ao contrário do que se deveria esperar, o ônus do mal-estar cabe aos "queridinhos", que se sentem constrangidos diante dos colegas. Duvidam do valor da nota recebida ao mesmo tempo em que gostam de estar entre os escolhidos.

Quando aquele que elege o "queridinho" não disfarça, mesmo que não lhe dê vantagens, cria mal-estar.

Voltando ao início desse artigo, diríamos que estamos diante do exercício de contenção. Os adultos têm que "se mancar" e as crianças também.

É muito ruim ser apontado como o queridinho da vovó. Parece que o esforço não é avaliado com justeza. A simpatia colore a relação e o mérito. Também na escola encontramos essa dificuldade de verificar a justeza das avaliações.

Poderíamos dizer que ser "queridinho" melhoraria a autoestima. Parece lógico, mas, se tratando de subjetividade, o "queridinho", de dúvida em dúvida, se sente possivelmente menor do que é.

Modernamente, não fica mal explicitar a preferência, que pode ser verbalizada, mas com muito cuidado. Numa família, "Paulinho puxou tanto o tio Paulo!" explica a preferência. Mesmo a professora pode dar uma dica do tipo "desde criança gosto de quem usa a borracha assim...".

Dicas, verdadeiras ou não (em geral correspondem à realidade), ajudam a tirar a culpa e a suportar os constrangimentos e as dúvidas.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)

ROSELY SAYÃO
A colunista está em férias.

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