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Psicoviolência

Da piadinha supostamente inofensiva à depreciação pública do parceiro, da gritaria ao silêncio que machuca, casais se enrolam no cotidiano traumático das agressões emocionais difíceis de perceber, denunciar e superar

Letícia Moreira/Folhapress

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
FILIPE OLIVEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Flagrante, não há. Marcas roxas tampouco estão lá para provar a agressão.

"Psicológica" é o adjetivo usado para tentar definir uma forma de violência silenciosa -por mais que o silêncio seja feito de palavras, acusações, cobranças. Ou gestos, olhares, sarcasmo, piadas.

"É difícil explicar aos outros onde está a sua dor", diz o psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes.

É difícil perceber quando, no relacionamento, o jogo do amor vira o da dominação. O pano de fundo é a vontade de anular o outro, torná-lo refém dos próprios desejos.

"Quando um tem um limiar para tolerar frustração muito baixo e o outro, muito alto, a violência se perpetua", diz a psicóloga Margareth dos Reis, do Ambulatório de Medicina Sexual da Faculdade de Medicina do ABC.

A comerciante Mônica, 49, trabalha atendendo clientes do marido, mas sem salário.

Ele já escondeu a chave do carro da mulher, para ela não sair sem avisar. Um dia, quando Mônica fazia ginástica, xingou-a na frente de todos.

Mas ela não sabe o que vai fazer. "Temos 30 anos de casados, penso que tenho uma família. Por minhas filhas, já devia ter me separado."

Para complicar, o jogo é de mão dupla: quem sofre a violência se nutre dela e a transforma no cimento da relação.

Parece um jeito de culpar a vítima e desculpar o agressor. Mas não é novidade, para quem estuda a coisa.

"É a dinâmica sadomasoquista, um pacto inconsciente: um provoca, outro agride, o que deve dar algum prazer", diz a psicanalista Belinda Mandelbaum, do Laboratório de Estudos da Família do Instituto de Psicologia da USP.

Além de manifestar um aspecto da sexualidade, a violência psicológica é uma forma de comunicação. "Associamos essa forma de agressão a todas as ações que causam dano ao outro pela linguagem", diz a psicóloga Adelma Pimentel, autora de "Violência Psicológica nas Relações Conjugais" (Summus, 152 págs, R$ 36,90).

A perversidade do jogo é que, no relacionamento íntimo, um sabe os pontos fracos do outro, aqueles que ninguém quer tornar público.

O marido de Mônica repete que ela é uma mãe relapsa. "Para me agredir. Mas é difícil perceber a violência psicológica. Você aceita, alguém manda em você."

"Você constrange a pessoa usando os demônios dela. E ela faz o que você quer, por gostar de você", diz Forbes.

Foi assim no primeiro casamento da inspetora de alunos Lúcia, 48. "Eu tinha 19 anos e me casei com o homem pelo qual estava apaixonada. Ele me desvalorizava porque eu era pobre, negra, e eu achava que ele tinha razão."

Destruir a autoestima do outro é a estratégia e a consequência da agressão oculta.

Lúcia achava que o ex-marido era lindo. "Ele dizia que eu tinha que agradecer por transar com ele. E eu nem sabia o que era orgasmo!"

O morde e assopra sustentava o jogo do ex. "Se eu chorava, ele me abraçava e dizia: 'Gosto de você como você é'."

"Os efeitos na pessoa agredida vão dos distúrbios alimentares à depressão, chegando à tentativa de suicídio", diz a psicóloga Marina Vasconcellos, da Federação Brasileira de Psicodrama.

A vítima dessa forma de violência quase nunca quer mostrar a cara, porque denunciar a agressão é também expor as próprias fraquezas, Afinal, ela se submeteu, aceitou um arranjo ruim com medo de romper e ficar sem aquele amor.

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