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Outras Ideias

ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br

Falando cada vez mais alto

A angústia de não ser ouvido explica o aumento no som da conversa. Não é questão de educação

VOCÊ CERTAMENTE já reparou: onde há mais de três pessoas, é grande a possibilidade de os decibéis da conversa subirem em minutos. Se já medi os decibéis? Não, não medi.

A minha orelha denuncia: a intensidade do ruído emitido pela voz humana cresceu. Poderíamos dizer que somos mais numerosos, mas esse dado não dá conta do fenômeno. Restaurantes, bares e cafés estão muito mais barulhentos hoje do que antes (há mais de dez anos).

Houve tempo em que lugares com muitas crianças eram evitados -isso já não vale. Os adultos, para nem falar dos jovens, tornaram-se barulhentos. Pode ter a ver com material de construção, revestimentos: alguns materiais absorvem o som, outros o fazem ecoar. De qualquer forma, é difícil encontrar um lugar com algumas mesas ocupadas e onde se consiga conversar. Alguns restaurantes tentam até colocar placas de espuma sob a toalha para absorver o som.

A acústica, que antes era uma questão de refletir o som (conchas acústicas, cúpulas, igrejas), hoje se tornou a ciência da absorção do som. Que a ciência acompanhe as transformações do mundo é apenas natural. Cabe ao pesquisador atender a demanda de solução para certos problemas, como o barulho.

Mas a questão primordial permanece: por que hoje se faz tanto barulho em espaços fechados, onde sempre se foi para conversar? Não tenho resposta. Poderia dizer que as pessoas hoje falam mais. Apesar de a época ser chamada de era das imagens, na verdade estamos mergulhados na era do áudio, do falar sem parar.

Vou arriscar uma compreensão do fenômeno. O fato de o mundo inteiro estar à minha disposição pelo celular, acessível a quase todos, pode ter desenvolvido em mim o vício da garantia de estar sendo ouvido. Quanto mais falamos ao celular, mais nos viciamos em sermos ouvidos.

Mas por que falar mais alto? No telefone, no um a um, sei que serei escutado. Já no mais de três, passo a lutar pela minha prioridade de comunicação. O celular me permitiu a comunicação um a um em segundos; nesse contexto, tenho a certeza de estar sendo ouvido. E à mesa com três pessoas, qual será mais ouvida? Assim vamos aumentando o volume do som.

A angústia de não ser escutado pode estar por trás do aumento do volume do som da conversa. Portanto, não seria uma questão de educação, mas de ansiedade.

As crianças gritam para interromper, ganhar espaço entre os adultos. Hoje os adultos fazem a mesma coisa: usam os mais altos decibéis na voz para garantir o seu espaço entre colegas e amigos, na galera, patota, turma.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)

NA PRÓXIMA SEMANA
Rodolfo Lucena

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