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Repulsa ao sexo

Minoria em fase de afirmação, o grupo de assexuados sente pouca ou nenhuma atração por outras pessoas. Há vários tipos de 'assexuais', como preferem ser chamados. Há os que se masturbam, os que se casam e até os que transam

Divulgação Aven/ jun.2011
Turma da Rede de Educação e Visibilidade Assexual (Aven, na sigla em inglês) na última parada gay de São Francisco
Turma da Rede de Educação e Visibilidade Assexual (Aven, na sigla em inglês) na última parada gay de São Francisco

JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para o jornalista Millôr Fernandes, de todas as taras sexuais não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência. A pedagoga Elisabete Oliveira, que escreve sua tese de doutorado sobre assexualidade, não poderia estar mais de acordo: "As pessoas têm mais facilidade para entender as variações do desejo do que a falta dele".

A área de estudo de Oliveira é particularmente nova: "Até hoje foram escritos menos de 30 artigos sobre assexualidade que não enxergam o assunto como transtorno".

Os próprios assexuais contribuíram para transferir seu comportamento do campo da patologia para o das escolhas. A partir dos anos 2000, eles passaram a se organizar em comunidades virtuais e a tentar se definir. Aos trancos e barrancos, chegaram à definição atual do que vem a ser um assexual: "É uma pessoa que sente pouco ou nenhum desejo por outras pessoas", explica a estudante colombiana Johanna Villamil, 23, representante da Aven (Asexual Visibility and Education Network) na América Latina.

Dentro da definição há espaço para quem sente repulsa ao sexo, namora sem transar, pratica masturbação e até transa sem interesse, no intuito de agradar o parceiro.

Com 40 mil membros, 12 mil na América Latina, a Aven é a maior organização do gênero e acha que poderia ser maior: "Pouca gente se identifica como assexual, o termo é desconhecido e parece pejorativo. Nossa intenção é sair do armário para que outros se reconciliem com a opção de não transar", diz Villamil.

No DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), catálogo de doenças mentais da associação americana de psiquiatria, assexualidade tem nome e sobrenome: é síndrome do desejo sexual hipoativo, considerada um desvio.

"Para o DSM ninguém é normal", relativiza Carmita Abdo, coordenadora do projeto de sexualidade do Hospital das Clínicas. A psiquiatra lembra que há mais diversidade entre quatro paredes do que fazem supor as revistas femininas: "Por vivermos numa sociedade hipersexualizada, não transar parece problema grave, mas ninguém deve ser medicado por não ter desejo, a não ser que isso gere sofrimento".

Deficiência hormonal, depressão, vaginismo, problemas de tireoide ou de ereção, menopausa, hipertensão e diabetes são alguns fatores que podem minar a vontade de sexo. É comum, no entanto, que pessoas saudáveis percam o desejo por um tempo: "Sexualidade não é uma linha eternamente ascendente. Para se considerar assexuada a pessoa precisa estar numa fase longa de falta de desejo sem motivo de saúde, acima de seis meses", diz Abdo.

A fase prolongada de F. Michele, 30, tem durado sua vida inteira. A funcionária pública baiana já tentou relacionamentos com homens e mulheres só para ter certeza de sua indiferença ao sexo: "Não me faz falta. Mantive relacionamentos quando me senti exigida, mas hoje sei que é contra minha natureza", diz.

Até os 28, Michele conta que levantava suspeitas ao pular Carnaval e frequentar shows e nunca ficar com alguém: "Beijei alguns homens, tive relacionamentos rápidos, sem sexo, mas ainda assim era estranho nunca me verem com alguém".

Quando se submeteu a uma cirurgia de redução de estômago, há cinco anos, a pressão para que namorasse cresceu: "Se você não sai com ninguém porque é gorda, tudo bem, mas ser magra e só é inaceitável", diz.

Para atender à demanda da família, a moça namorou um rapaz por seis meses. Não deu certo. Tentou um caso homossexual, fracassou: "Não gosto da sensação de ser tocada e o suor durante o sexo me incomodava muito, sentia nojo".

Hoje, Michele se diz apaziguada com sua opção: "Duas das minhas irmãs sabem que sou assexuada, falei. Para os outros, não preciso me expor tanto, mas não chego a esconder. Se alguém vem com conversa sobre namoro, deixo claro: não me interessa".

Para a psicóloga Blenda de Oliveira, todo mundo tem libido e é preciso investigar as causas antes de aceitar a assexualidade como saudável: "Há quem tenha baixa libido ou prefira canalizar essa energia para outras coisas. Mas é raro alguém que não tenha problemas com sua falta de desejo".

8,2% das brasileiras não têm desejo

A completa falta de desejo sexual afeta quatro vezes mais mulheres do que homens (2,1%)

Fonte: Pesquisa do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas realizada em 2003 com 7.103 brasileiros das cinco regiões do país

5% dos jovens entre 18 e 24 anos não veem graça no sexo

Fonte: Pesquisa do Datafolha realizada em 2009 com 1.888 pessoas entre 18 e 60 anos em 125 municípios do país

23% das pessoas passam mais de oito meses sem transar

Esse foi o número encontrado pelo Datafolha ao perguntar há quanto tempo os entrevistados não transavam. A maior parte dos "sem sexo" tinha entre 35 e 60 anos e 23% eram casados

Fonte: Pesquisa do Datafolha realizada em 2009 com 1.888 pessoas entre 18 e 60 anos em 125 municípios do país

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