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Outras Ideias

MICHAEL KEPP - mkepp@terra.com.br

Preconceito ou pé-atrás?

A moça trabalha enriquecendo magnatas, e a as chances de eu gostar de magnatas são nulas

Alguns dias atrás, um amigo me convidou, junto com minha mulher, para jantar com sua nova namorada. "Combinado", falei. "O que ela faz?" -uma pergunta pouco delicada. "É 'private banker'", disse ele. "O que?" Minha resposta o levou a explicar: "Ela aplica dinheiro para clientes de alta renda". E minha reação -"ah, é?"- soou tão crítica que ele rebateu: "Preconceituoso!".

Retruquei: "Preconceituoso não, pé-atrás. É diferente". Ser preconceituoso, argumentei, quer dizer sentir-se superior a alguém em função de sua raça, classe social, etnia, idade, religião ou orientação sexual. Ficar com o pé atrás é ser precavido em relação às pessoas em razão das escolhas pessoais, profissionais ou políticas. Como os "private bankers" que conheço são workaholics competitivos que ganham mais dinheiro para gente que já tem dinheiro a rodo, eu questiono quais valores teríamos em comum.

Também nenhum amigo meu é rico. Talvez porque fico desconfiado da maioria dos abonados, especialmente os que não produzem nada exceto ganhos no mercado de capitais ou que vêm da alta sociedade, elites isoladas do mundo dos pobres e indiferentes a ele. Mas existem exceções, mesmo entre os megarricos.

Veja os casos de Bill Gates (com sua cruzada filantrópica para erradicar a malária e combater a pobreza) e de Walter Salles (herdeiro do Unibanco, com seus filmes que retratam o dia a dia dos desfavorecidos).

Mas até mesmo os ricos esclarecidos cercam seus castelos de muralhas que os isolam do resto de nós. Tome o caso do filantropo de San Francisco que, anos atrás, convidou este proleta aqui e sua namorada para passar o fim de semana com ele e sua mulher numa pousada de luxo. Quando eu falei que a pousada seria muito cara para mim, ele não propôs outra alternativa. Então ficou a dúvida: "Por que o altruísmo dele não se estende a mim?". "E prefere seus confortos à minha companhia?".

Há casos em que não arredo pé. Por exemplo, direitistas (como os que chamam o golpe de 1964 de revolução) cuja ignorância ideológica me ofende. E as chances de eu gostar de um bilionário conservador são nulas. A namorada de meu amigo enriquece esses magnatas. Mas, como ele a achou encantadora, reduzi a altura da muralha que me cerca. Assim, quando eu a encontrar, meu pé-atrás talvez possa passar para frente.

MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeço nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br

NA PRÓXIMA SEMANA
Mirian Goldenberg

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