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Neuro

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Novas tecnologias? Aprendo se quiser

Venceu a preguiça: chamei meu filho, ele tomou o controle remoto da minha mão e resolveu o assunto

Éramos crianças quando a tecnologia começou a invadir a casa. Logo tínhamos aparelho de som com amplificador de várias entradas, videocassete programável, secretária eletrônica.

Como minha mãe não lia nem queria ler os manuais, eu e minha irmã acabávamos aprendendo a pilotar aparelhos e controles remotos para ela. Segui aprendendo a lidar sozinha com equipamentos variados e gostando de resolver eu mesma eventuais problemas técnicos.

Até que, semanas atrás, querendo mostrar aos meus pais as vantagens de usar o console de videogame para ver Netflix na televisão, empaquei no controle remoto. A tela exigia que eu redigitasse nome de usuário e senha, mas como não temos um teclado ligado ao console, era necessário usar o controle do jogo, com aqueles botõezinhos cheios de símbolos.

Entre descobrir sozinha como usar o controle para selecionar letras em um tecladinho confuso e a alternativa mais fácil, venceu a preguiça: chamei meu filho de oito anos, que tomou o controle da minha mão e, em segundos, resolveu o assunto. A ironia não me passou despercebida e tampouco à minha mãe, que caiu na gargalhada. "Até você, Su? Ah, a idade..."

Hmpf. Vencida por um controle remoto, eu? A situação exigia providências imediatas. Não me sinto incapaz de aprender coisas novas; é o que faço no laboratório todos os dias. Por que delegar o novo a meu filho, então?

Lembrei-me do que ensino em palestras: o aprendizado é simplesmente a mudança das conexões responsáveis pelo processamento de informações no cérebro conforme elas são usadas.

Essa é uma propriedade de neurônios em geral e que se mantém ao longo de toda a vida. O que muda de uma pessoa para a outra e com a idade não é tanto a capacidade de aprender e sim os fatores que influenciam o aprendizado, sobretudo a atenção, a prática, o método... e a motivação.

Para começo de conversa, é preciso querer aprender.

Então era isso: minha mãe sempre foi perfeitamente capaz de aprender a lidar com os controles; só não queria saber. De fato, ela hoje é craque com seu computador - e, assim que resolvi que queria saber manusear o controle do jogo sem precisar de ajuda de um moleque de oito anos, chamei o dito moleque para me ensinar... E agora digito eu mesma o que quiser, e rapidinho. A tecnologia não é o problema; o problema é nossa preguiça em lidar com ela.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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