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Neuro

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

A doença que dói nos outros

Sem sentir a dor alheia, os sociopatas são capazes de tomar decisões que só beneficiam a eles

Doenças são aflições em que o corpo para de funcionar normalmente, o que causa prejuízos para seu dono.

Do catálogo atualmente empregado pelos médicos para classificá-las, duas, no entanto, destoam bastante das demais: dependência química e sociopatia. A primeira, porque só "adoece" quem escolhe se expor ao risco. Impossível ficar viciado em álcool, maconha ou cocaína quem jamais beber, fumar ou cheirar essas substâncias. E a segunda, porque, na verdade, ela não é exatamente prejudicial ao sociopata. Ao contrário, pela ótica dele, ela é até... benéfica.

Deixe-me explicar. O cérebro da grande maioria das pessoas tem regiões que as fazem intuir automaticamente o que o outro está pensando ou sentindo -sentir (sorrir, sofrer) junto com o outro- e ainda levar essas emoções em consideração, antecipadamente, na hora de organizar seu comportamento.

É essa capacidade que nos torna seres sociais. Funciona como um excelente freio: temos vontade de xingar quem nos fez mal e às vezes de surrar ou mesmo esganar, mas a mera antecipação do sofrimento alheio a ser causado nos impede de seguir adiante. Todos ganham.

Mas não em quem nasceu com um cérebro, digamos, diferente. Cerca de 1% da população, dependendo dos critérios usados, tem um cérebro capaz de sofrer com as próprias dores, de sentir medo, angústia e prazer -mas suas emoções só dizem respeito a si mesmo.

Seu cérebro não consegue se importar com a dor alheia, muito menos com aquela causada por ele. Esses são os sociopatas: sem o freio da emoção alheia, seu cérebro tem a liberdade de tomar as decisões que mais o beneficiarem. Assim, fica possível manipular família, colegas e "amigos", mentir, roubar e até ferir e matar. Não há remorso -isso exige a capacidade de sentir a dor do outro. Só eles ganham.

O nome, portanto, é bastante apropriado: a sociopatia é um problema para a sociedade, e não para o indivíduo. Uma doença que causa sofrimento... nos outros. Não há tratamento conhecido para o sociopata, além de regras claras mantidas com mão de ferro.

Quem precisa se cuidar, portanto, somos nós: os que se preocupam com os outros e por isso viram presa fácil para os sociopatas, sobretudo quando se sentem culpados pela condição destes. Para nós, o melhor tratamento é saber que a sociopatia existe e fazer força para não se deixar virar vítima.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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