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Neuro

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

Com ou sem GPS?

Navegadores são ótimos quando não se sabe o caminho, mas não dá para confiar cegamente neles

ONTEM TIVE que achar um endereço em Vila Isabel, uma parte da cidade do Rio que não conheço bem. Nos meus tempos de jovem motorista, na era pré-GPS, pré-Google, eu teria apelado para meus pais, que parecem conhecer todas as ruas da cidade. Mas, tratando-se de tempos modernos, apelei para o navegador do telefone celular.

O resultado? Uma rota que me confundiu, pois não aproveitava um outro caminho que eu já conhecia, e, logo de cara, duas entradas na contramão -indicações que eu teria seguido se não soubesse, com meus próprios neurônios, que o sentido daquelas ruas havia mudado. Pobre de quem depender completamente dessas memórias externas, desses serviços de terceirização do cérebro.

Note, não proponho abandonar os navegadores por GPS, eles são uma excelente ajuda quando não se conhece o caminho e não há outra fonte confiável a consultar. Mas, assim como o Google e a Wikipedia são um convite perigoso a aposentar a própria memória para fatos, confiar cegamente no GPS negligencia todo seu conhecimento pessoal de lugares seguros e é o primeiro passo para deixar murchar mais uma capacidade do cérebro: a navegação espacial.

Nosso cérebro tem seu próprio serviço de cartografia, no hipocampo, aquele mesmo pedaço de córtex que cuida da entrada de novas associações para a memória. Em vez de satélites, ele usa o deslocamento do seu corpo e marcos visuais ao longo da sua rota. Aqui há neurônios chamados "de lugar" justamente porque representam locais específicos da sua casa, rua ou cidade: somente ficam ativos quando você passa por ali ou pensa em passar por ali.

Esses neurônios são ativados em sequências que são armazenadas conforme você navega ativamente pelo mundo, prestando atenção no caminho, e assim seu hipocampo forma e atualiza seus mapas de navegação.

Muito útil para lembrar como chegar à fonte de água, ao alimento escondido ou ao trabalho. E mais: prestando atenção, dá até para guardar os nomes das ruas e associá-las aos lugares armazenados em sequência pelo seu hipocampo.

Tendo esse mapa mental, o GPS deixa de ser um substituto e passa a ser um professor. Por exemplo: "Sabe chegar na av. Maracanã? Vire à direita na praça, depois à direita, e à primeira esquerda, e pronto". Adoro tecnologia, mas não abro mão do meu HD interno.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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