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Corrida

RODOLFO LUCENA - rodolfo.lucena@grupofolha.com.br

Paula não corre mais aqui

Ela foi castigada sem piedade pelo esporte: lesões, dores, fratura, degeneração óssea, cirurgias e choro

UMA CERTA amargura machucou o prazer de assistir à maratona olímpica feminina. Acompanhei o brilho quase mágico das passadas de quenianas e etíopes, vi a galhardia do combate da ucraniana e torci pela brasileira, que demonstrou maturidade e disposição de luta.

Todo o tempo, porém, martelava na minha cabeça estrofe triste de canção distante: "Naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim".

Faltava alguém no asfalto. Ídolo dos donos da casa, ícone do mundo corrido, campeã de campanhas antidoping, a recordista mundial da maratona não percorria as ruas de Londres. Paula Radcliffe sucumbira à dor, como muitos de nós, gente comum, não recordistas de nada.

Aos 38, a mãe de Isla e Raphael ia para sua quinta Olimpíada, guardava a esperança de se redimir dos fracassos passados; pelo menos, um bronzezinho para a sala de troféus... Sabíamos todos -ela também- que seria tarefa dificílima, quase impossível frente às mais jovens e cada vez mais velozes representantes do leste africano.

Para piorar, o ano não fora uma beleza em desempenho, e os treinamentos foram prejudicados por problemas de saúde. Mas a maratona esconde segredos, saca forças do âmago humano. Quem sabe as ruas da pátria poderiam fazer a loirinha reencontrar o caminho da glória.

No domingo antes da maratona, Paula foi à pista testar o pé esquerdo. O mesmo pé que, nos idos de 1994, foi dado como irremediavelmente comprometido por artrose, sem serventia para a corrida, que, por ordem médica, deveria ser abandonada.

Ela se recusou a aceitar o veredito e provou ter razão. Seguiu carreira esplêndida, tornou-se maratonista, conquistou vitórias históricas, bateu recorde sobre recorde. Também foi castigada sem piedade pelo esporte: lesões, fratura por estresse, doloroso joanete, degeneração óssea e articular, cirurgias, remédios, vômito, choro.

Agora, o pé esquerdo não resistiu. Paula teve de abortar o que seria seu último ataque ao Olimpo. Mas se recusa a pendurar os sapatos de corrida: "Não acredito que o meu pé não possa ser recuperado e preparado para voltar a permitir que eu faça aquilo que amo fazer", disse, no sofrido comunicado em que anunciou a desistência.

Foi-se, para ela, o sonho olímpico, como, para cada um de nós, às vezes se esfumaçam esperanças longamente acalentadas. A ela -e a cada um de nós- resta sacudir a poeira e, passo sobre passo, reconstruir outro ideal, reinventar a si mesmo, renascer.

RODOLFO LUCENA, 55, é editor do blog +Corrida (http://rodolfolucena.blogfolha.uol.com.br), ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)

NA PRÓXIMA SEMANA
Michael Kepp

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