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Eu persigo, tu persegues, nós perseguimos

Em uma rede alimentada pela necessidade social de exibir dados pessoais, ser alvo de perseguições virtuais é inevitável -e seguir as novelas da vida alheia, irresistível

JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se você tem um ou uma ex, então você tem um "stalker". Se o seu ou a sua ex tem uma nova companhia, então já são dois stalkers em potencial. Some a eles paqueras, gente que não gostava de você na escola ou que gostava até demais. Todas essas pessoas e outras que você nem imagina podem estar acompanhando seus passos de maneira sistemática.

O termo "stalking" (do inglês "espreitar") passou a ser usado nos anos 1980 para se referir a fãs que perseguiam celebridades, invadindo suas casas e forçando contato.

A chamada web 3.0 -definida por Reid Hoffman, fundador do Linkedin, como uma rede com presença maciça de dados pessoais- fez com que muita gente se transformasse em pequena celebridade de nicho só por ter um site conhecido ou muitos seguidores no Twitter.

Resultado: a preocupação com a perseguição migrou para a realidade de gente anônima, que anda pelas ruas sem segurança e é conhecida só por um grupo.

Mas, se o "cyberstalking" é definido como o hábito de buscar informações sobre determinada pessoa na internet, fica bem difícil separar as pessoas entre perseguidores e alvos de perseguição.

"A forma como assediamos a vida uns dos outros hoje tem tudo a ver com o processo de celebrização da sociedade. Há um impulso de consumir a vida do outro, de usá-la como entretenimento, semelhante a um filme", explica Eugênio Trivinho, professor do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP.

"Se as pessoas não fossem todas stalkers, o Facebook não seria tão acessado", provoca a estudante de direito Gabriela Assis, 23.

Ela conta que, na adolescência, desenvolveu o hábito de conferir a vida dos colegas pelo Orkut. "Se gostava de um menino, queria saber se tinha namorada, o que fazia. Para isso, acompanhava as conversas do 'scrapbook' dele."

Gabriela não vê nada de errado em seu comportamento: "Apenas faço uma análise detida do que as pessoas escolheram publicar, não roubo dados de ninguém".

Há perseguidores e perseguidores. Alguns se limitam a investigar a vida de pessoas que já conhecem, outros se encantam por desconhecidos e procuram meios de se aproximar deles.

Uns mantêm suas atividades apenas no campo virtual, outros passam a frequentar os mesmos lugares de seus objetos de atenção, montando um cerco presencial.

SEM LEI

O Brasil não tem leis específicas para regular a vigilância virtual, mas há casos em que cabe uma ação civil, afirma Victor Haikal, especialista em direito digital.

"Não é porque escolhi compartilhar minhas informações que as pessoas podem fazer o que quiser com elas. Há abusos de direito que fogem do uso regular das redes sociais", explica Haikal.

Para o advogado, seria abuso, por exemplo, enviar fotos constrangedoras que a pessoa postou em sua rede social para seus chefes ou colegas de trabalho, tentar contatos insistentes por e-mail ou usar informações do geolocalizador dela para persegui-la pela cidade.

"Os danos da vigilância nem sempre são mensuráveis. Mesmo que a pessoa não lhe faça mal, não é saudável se sentir vigiado por alguém", defende Breno Rosostolato.

Para Heloisa Pereira, docente do curso sobre redes sociais e "novos paradigmas do ciberespaço", da PUC-SP, a vigilância é uma consequência natural da aura de importância que as pessoas criam em torno de si mesmas.

"Cada um se vende como alguém muito especial. O stalker é um ingênuo que comprou essa história e se obcecou por ela."

No Orkut, a busca de dados era ativa: era preciso entrar na página da pessoa, vasculhar fotos e mensagens. No Facebook, essas informações são atiradas na cara do usuário: uma barra lateral que avisa o tempo todo quem ficou amigo de quem, quem curtiu a foto de quem.

"A nova estrutura dos sites é feita para estimular essa curiosidade pela vida alheia. Progressivamente, as redes sociais tiraram nossa opção entre ser ou não ser stalker", diz Vinícius Andrade Pereira, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.

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