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Rosely Sayão
A luta contra o envelhecimento
U
ma nota e uma reportagem que li nos
últimos dias me chamaram muito a atenção. Numa nota pequena, soube que uma mulher com menos
de 40 anos morreu após passar
por uma intervenção cirúrgica
estética. Essas tragédias ocorrem cada vez mais porque, entre outros motivos, o número desse tipo
de cirurgia cresce assustadoramente.
Mas o que me chamou a
atenção não foi esse fato
em si, e sim uma situação
coadjuvante: a mulher estava em tratamento de
síndrome do pânico, de
acordo com informações.
Creio que isso quer dizer
que ela teve de superar
enormes dificuldades
pessoais para se submeter a essa cirurgia.
Outra reportagem que
me fez pensar, principalmente se associada à primeira, foi a respeito da
opinião de atrizes que não
são jovens sobre a plástica
como recurso também
para manter as chances
no mercado de trabalho.
De novo, uma frase do
texto se destacou. Uma
atriz contou que a primeira pergunta feita por telefone por diretores em fase
de formação de elenco é:
"Você está bonita?"
Não é coincidência que
os personagens dessas reportagens sejam todos do
gênero feminino. Mas esse reinado está com os dias contados. Não é mais apenas a mulher que está submetida a um
padrão rígido de modelo de
corpo: a anorexia tem atingido
cada vez mais os homens. Quero abordar, entretanto, outra
questão hoje: a recusa da aparência da velhice.
Vivemos um absurdo. O
avanço das ciências tem contribuído para o aumento da longevidade e, como resultado, a população está envelhecendo. O
problema é que envelhecemos,
mas não podemos mostrar nossa velhice. Aí está nossa maior
contradição: queremos viver
mais, sim, mas envelhecer tem
sido intolerável.
Nossos cabelos brancos precisam ser coloridos, nossas rugas, atenuadas, nossa flacidez,
tratada e a gordura localizada,
extraída. Precisamos manter
energia, vigor e agilidade. Tudo
isso custe o que custar, em todos os sentidos.
Quem ganha com essa idéia
de vida? O mercado, claro, que
vende de tudo para dissimular
os sinais da degradação do corpo: cosméticos de todos os tipos, técnicas de dermatologia,
nutrição especializada, cirurgias plásticas, pílulas dos mais
variados tipos etc.
O conceito de saúde na velhice passou a ser associado à idéia
de juventude. E o mais cruel:
compramos também a idéia de
que só envelhece quem quer,
ou seja, só fica velho quem não
investe pesadamente nesse
aparato todo para aparentar jovialidade. Quem não se compromete com esse estilo está
condenado ao ostracismo. Assim, a responsabilidade -melhor dizendo, a culpa- pelo envelhecimento, pela decadência
física inevitável, pelos sinais do
tempo é pessoal. Que ilusão!
Enquanto vivemos com essa
ilusão, construímos uma sociedade que não aceita o velho,
que não se modifica para reconhecer essa fase da vida. Nosso
espaço público não acolhe os
velhos; ao contrário, os exclui.
No Brasil, não temos ainda o
hábito de confiná-los em asilos.
Aqui, eles têm sido confinados
em suas próprias casas.
E tem sido esse o conceito de
velhice que temos transmitido
às crianças e aos jovens. Não será bom parar para pensar no
que isso pode dar?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com
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