São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2011
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COISAS LOUCAS

MARION MINERBO marion.minerbo@terra.com.br

O apelo do 'reality show'


Estamos famintos de realidade; pagamos caro por paisagens virgens e comida sem agrotóxico


ESCREVI na coluna anterior que o programa "BBB" atende à demanda de protagonismo do cidadão comum. Ele quer eleger "alguém como eu" -um lutador que vence honestamente- como seu representante no mundo das celebridades. O critério é a autenticidade. Mas que autenticidade é essa, e por que ela é considerada um valor? Assistimos ao "reality show" procurando nas reações corporais e faciais dos participantes sinais inequívocos dos sentimentos reais que a situação desperta neles. O corpo é autêntico. Ninguém fica com taquicardia e sua se não estiver realmente com medo. Nem cora, se não estiver envergonhado. A câmera flagra certo olhar, e o espectador sabe que o jogador estava com ódio mesmo. O riso amarelo revela o constrangimento de não ter assunto na roda de conversa. Dá para notar quando o arrogante tenta parecer humilde só para ganhar a simpatia do espectador -o que faz com que a perca. A graça é colher esses indícios e ter acesso à nudez da alma do outro. Queremos sangue, suor e, principalmente, lágrimas, indícios preciosos de autenticidade. Bambam venceu o "BBB" 2002 quando chorou a perda de sua boneca de estimação. "No Limite", "A Fazenda", "Esquadrão da Moda": as situações que o jogador enfrenta variam, mas o que interessa ao fã é sempre o mesmo. Essa lógica contaminou a campanha política televisiva. O espectador/eleitor procura e valoriza sinais de adequação entre o que os candidatos dizem e o que mostram com seu corpo. Tiririca confessou não saber o que faz um deputado e levou o prêmio. Estava na cara que não sabia mesmo. Nesse jogo, é mais autêntico confessar a emoção do que negá-la, mas confissão "fake" é paredão na certa. Tudo isso mostra que precisamos ver, quase tocar a realidade emocional do outro. O que é real, autêntico e natural passa a ser um valor já que, hoje, tudo é fabricado, e a natureza desaparece. Mais do que nostálgicos, estamos famintos de realidade. Por serem bens cada vez mais raros, pagamos caro por paisagens virgens, tecido de algodão, comida sem agrotóxicos. Precisamos de experiências autênticas, mas quando elas são transformadas em bens de consumo, perdem sua autenticidade. Nesse contexto surge uma instituição, o "reality show", cuja função é produzir quilos de realidade autêntica para ser vorazmente consumida. Sendo que o último reduto de realidade é a emoção nua e crua de nossos semelhantes. Sua alma em carne viva.
MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)


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