São Paulo, quinta-feira, 01 de junho de 2006
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S.O.S. família

A importância de dizer não

Rosely Sayão

A mãe de duas crianças pequenas fez, outro dia, um comentário bem interessante. Ao contar a aventura que é tomar conta de dois filhos menores de seis anos e educá-los, a bem-humorada mulher disse que conseguiria levar a cabo sua árdua tarefa sem a maioria dos recursos que tem, com exceção de dois: as grades de proteção das janelas do seu apartamento e as travas das portas traseiras do carro. Considerei muito perspicaz a maneira como ela condensou nesses dois elementos de segurança a idéia de proteção que tem dominado a relação entre pais e filhos. Já sabemos que os pais têm tentado proteger os filhos -e isso começa logo na primeira infância- desse mundo que eles julgam perigoso e violento.


Por que os pais dependem de artefatos de segurança? Porque não acreditam que o "não" seja respeitado pelos filhos


E, nessa fase em que os filhos devem estar sempre sob a tutela dos pais ou de outros adultos, são consideradas perigosas as características dos ambientes que as crianças freqüentam. Basta dar uma olhada nas escolas de educação infantil para constatar o grau que esse zelo atingiu. Ausência de escadas e de obstáculos, cantos arredondados, chão almofadado e areia tratada são algumas características que os pais gostam de encontrar. Os cuidados com as crianças pequenas são fundamentais. Entretanto, eles têm sentido duplo: além de proteger, têm também o objetivo de ensinar que elas devem começar a se proteger. O autocuidado, tão necessário na adolescência, precisa ser ensinado desde os primeiros anos. Mas, nesse afã de evitar incidentes, os adultos têm se esquecido desse detalhe tão importante. É que, ao andar, correr e brincar em ambientes tão limpos de pequenos riscos, a criança apreende que ela mesma não precisa se cuidar e que o mundo é livre de qualquer ameaça. Assim, em vez de perceber que precisa se desviar de um canto de mesa, por exemplo, ela corre em linha reta considerando exclusivamente o seu objetivo. Mas há uma outra questão, ainda mais contundente, embutida na fala da jovem mãe. A trava no carro, que evita que a criança tente abrir a porta com o veículo em movimento, e as grades de proteção nas janelas e sacadas, que impedem que a criança, acidental ou intencionalmente, se debruce e corra sérios riscos, apontam para a fragilidade das negativas que os adultos colocam à criança. Por que os pais dependem desses artefatos de segurança para garantir a integridade das crianças? Porque não acreditam que o "não" seja respeitado pelos filhos. E por que isso ocorre? Vejamos o funcionamento da trava do carro. A criança curiosa certamente irá tentar abrir a porta mexendo no mecanismo. Ao se defrontar com o não-funcionamento, ela poderá tentar mais algumas vezes, mas irá desistir por um único motivo: porque aprende que ali não há alternativa. E quando são os pais que dizem ao filho que ele não deve mexer em determinado objeto? Frente à insistência das crianças, os pais desistem de impedir que elas façam o que, inicialmente, ouviram que não deveriam fazer. Ao contrário das travas das portas dos carros, os pais não funcionam até que a criança entenda que não haverá alternativa possível. Os pais não se dão conta de que, ao relevar o comportamento da criança de fazer algo que foi proibido pelo menos temporariamente, é a palavra "não" que perde seu valor. E isso é sério na formação da criança. Por esse motivo é que os pais realmente precisam de artefatos de segurança. Não se trata, de modo nenhum, de prescindir desses dispositivos, e sim de revisar as condutas tomadas com os filhos. São poucas as situações que merecem um "não" categórico dos pais. Nesses casos, a negativa precisa ser honrada. E isso cabe aos pais.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br


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