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OUTRAS IDEIAS
MIRIAN GOLDENBERG - miriangoldenberg@uol.com.br
O marido como capital
No Brasil, as mulheres experimentam o envelhecimento como um período de perdas
ainda maiores
NO BRASIL, o corpo é um capital. Certo padrão estético é
visto como uma riqueza, desejada por pessoas de diferentes camadas sociais.
Muitos percebem a aparência como veículo de ascensão social e como capital no
mercado de trabalho, de casamento e de sexo.
Para aprofundar essa discussão, estou fazendo um estudo comparativo com mulheres brasileiras e alemãs na
faixa de 50 a 60 anos.
Já nas primeiras entrevistas, constatei um abismo entre o poder objetivo que as
brasileiras conquistaram e a
miséria subjetiva que aparece em seus discursos.
Elas conquistaram realização profissional, independência econômica, maior escolaridade e liberdade sexual.
Mas se preocupam com excesso de peso, têm vergonha
do corpo, medo da solidão.
As alemãs se revelam muito mais seguras tanto objetiva quanto subjetivamente.
Mais confortáveis com o envelhecimento, enfatizam a riqueza dessa fase em termos
de realizações profissionais,
intelectuais e afetivas.
A discrepância entre a realidade e a miséria discursiva
das brasileiras mostra que
aqui a velhice é um problema
muito maior, o que explica o
sacrifício que muitas fazem
para parecer mais jovens.
A decadência do corpo, a
falta de homem e a invisibilidade marcam o discurso das
brasileiras. De diferentes maneiras, elas dizem: "Aqueles
olhares e cantadas tão comuns sumiram. Ninguém
mais me chama de gostosa.
Sou uma mulher invisível".
Curiosamente, as brasileiras que se mostram mais satisfeitas não são as mais magras ou bonitas. São aquelas
que estão casadas há anos.
Elas têm "capital marital".
Em um mercado em que os
homens disponíveis são escassos, principalmente na
faixa etária pesquisada, as
casadas se sentem poderosas por terem um "produto"
raro e valorizado. Aqui, ter
marido também é um capital.
No Brasil, onde corpo e
marido são considerados capitais, o envelhecimento é experimentado como uma fase
de perdas ainda maiores.
Já na cultura alemã, em
que diferentes capitais têm
mais valor, a velhice pode ser
uma fase de realizações e de
extrema liberdade.
Como ressaltou Simone de
Beauvoir, "a última idade"
pode ser uma liberação para
as mulheres, que, "submetidas durante toda a vida ao
marido e dedicadas aos filhos, podem, enfim preocupar-se consigo mesmas".
MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e
professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, é autora de "Coroas: Corpo,
Envelhecimento, Casamento e
Infidelidade" (ed. Record)
www.miriangoldenberg.com.br
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