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SAÚDE
Rugas na fala
Com o envelhecimento, a voz pode ficar mais fraca, irregular, rouca e trêmula, o que dificulta a comunicação; saiba como prevenir esse processo
Lucas Uebel/Folha Imagem
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A professora de canto Karine Cunha (à dir.) com alunas que formam um coral; cantar faz bem para a voz
ANNA CAROLINA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Professor, o senhor
pode falar mais alto?" Foi só quando
os alunos reclamaram que o professor Masayuki
Nakagawa, 81, percebeu que
sua voz não era mais a mesma.
"Na primeira meia hora, uma
hora da aula, todo mundo ouvia
bem. Mas depois começavam a
pedir que eu falasse mais alto, e
eu não conseguia", conta.
A dificuldade que ele tinha
para elevar a voz é um dos sintomas da presbifonia, que se caracteriza pelo desgaste das pregas vocais e pode se manifestar
por volta dos 60 anos.
O processo é parecido com o
que acontece com outros músculos, que, com o passar do
tempo, vão perdendo a força, a
agilidade, a coordenação e a capacidade de desempenhar bem
certas funções. Com as pregas
vocais (antes chamadas de cordas vocais) não é diferente.
À medida que passam os
anos, elas podem sofrer um
processo de envelhecimento
que compromete a qualidade
do som produzido, resultando
em uma voz pouco compreensível -o que dificulta muito a
comunicação.
Segundo Agrício Crespo,
chefe da disciplina de otorrinolaringologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), com o envelhecimento, a
voz pode ficar mais fraca, irregular, rouca e trêmula, o que dificulta a comunicação.
O processo costuma se manifestar mais cedo nas mulheres,
que, em geral, passam a apresentar uma voz mais grave. Mas
é nos homens, cuja voz pode ficar mais aguda, que o quadro
evolui mais frequentemente
para a atrofia. A tendência é
que, como ocorre na infância,
as vozes de homens e mulheres
voltem a ficar parecidas.
Na verdade, as alterações da
voz ocorrem por causa de um
processo generalizado de envelhecimento, que envolve não só
as pregas vocais.
"A fonação (a emissão da voz)
não depende só das pregas vocais mas também do ar que vem
dos pulmões, de toda a estrutura da laringe, de uma boa articulação e ressonância. Se uma
dessas partes apresentar problemas, o processo pode ser
comprometido e alterar a qualidade da comunicação", explica Katia Nemr, fonoaudióloga e
professora da USP (Universidade de São Paulo).
A maioria dos casos pode ser
resolvida com terapias vocais.
É como Masayuki está fazendo
para conseguir recuperar a projeção da voz.
Docente de economia da USP
há quase 40 anos, ele nunca
usou microfones nas aulas e,
como todo professor, sempre
teve que falar muito. Mas nunca havia tido problemas antes,
até os alunos começarem a reclamar do volume.
Após o diagnóstico de presbifonia, ele foi encaminhado ao
serviço de fonoaudiologia da
própria universidade, onde foi
desenvolvido um programa específico para ele.
Uma vez por semana, o professor é orientado a fazer exercícios de alongamento muscular, respiração, fonação e articulação e ressonância, como a
vibração dos lábios e da língua
para melhorar o desempenho
das pregas vocais.
Ele já aprendeu várias técnicas diferentes, que pratica todos os dias em casa, por cerca
de 40 minutos. A única recomendação que ainda não adotou foi a de tomar pequenos goles de água em temperatura
ambiente ao longo das aulas.
Como não é fumante nem
costuma consumir álcool, a expectativa é a de que, em breve,
só com a fonoterapia, ele seja
capaz de melhorar a projeção
da voz e consiga, novamente, se
fazer ouvir bem pelos alunos.
E Masayuki ainda conseguiu
mais uma vantagem com os
exercícios de respiração. "Estão me ajudando a tocar flauta
melhor", comemora ele, que toca flauta transversa há 60 anos.
A maior parte dos casos de
presbifonia pode ser tratada
apenas com a fonoterapia.
A fonoaudióloga da Unicamp
Aline Epithanio Wolf desenvolve com seus pacientes uma
técnica americana criada, inicialmente, para trabalhar a voz
de doentes de Parkinson e que
tem apresentado bons resultados com pessoas que apresentam presbifonia.
Como a presbifonia atrapalha a produção de um som estável, os exercícios, segundo ela,
são focados na emissão de som,
que se dá nas cordas vocais, em
vez de na ressonância e na articulação, como a fonoterapia
tradicional. "É como se fosse uma ginástica para as pregas
vocais", compara.
Cirurgias
Em casos mais graves, quando a "ginástica" sozinha não pode resolver o problema, técnicas cirúrgicas podem ser utilizadas para recondicioná-las.
Uma das técnicas constitui
na aplicação de gordura retirada do abdome do próprio paciente nas pregas. Com o procedimento, elas recuperam o volume e a elasticidade, produzindo um som com uma qualidade melhor.
Foi com essa cirurgia que o
administrador Geraldo Barbosa, 54, tratou a fadiga vocal que
sofreu recentemente. Acostumado a dar palestras aos fins de
semana, ele vinha tendo dificuldades para falar.
Os sintomas eram os mesmos da presbifonia. "A minha
voz foi perdendo a força", diz.
No mesmo processo cirúrgico, ele teve a gordura retirada
do abdome e injetada nas pregas vocais. Uma semana depois,
já notou a diferença. Agora, segue com sessões de fonoterapia
para recuperar ainda mais a capacidade vocal. "Estou aprendendo a reconhecer os limites
da minha voz", diz.
Outra substância que atua
exatamente como a gordura,
recuperando as funções da prega, é o ácido hialurônico -o
mesmo usado em cirurgias
plásticas para o preenchimento
de rugas, por exemplo.
A diferença é que o ácido vai
perdendo seus efeitos com o
passar do tempo e, em cerca de
dois anos, uma nova aplicação
precisa ser feita. "Os efeitos
com as duas substâncias são os
mesmos, mas a cirurgia com a
gordura é mais definitiva", diz
Agrício Crespo, responsável
pela operação de Geraldo.
A aplicação de ácido hialurônico para casos de presbifonia é
feita há mais de cinco anos no
Brasil, segundo o presidente da
Academia Brasileira de Laringologia e Voz, Paulo Perazzo.
Outra técnica, um pouco mais
radical, é a colocação de uma
prótese de silicone que reaproxima as pregas vocais, recuperando a qualidade do som emitido pelo paciente.
Para Crespo, o que dificulta a
correção dos transtornos causados pela presbifonia é que
nem os próprios médicos estão
atentos aos sinais de envelhecimento da voz do paciente.
"Quando fazem uma consulta,
os otorrinos estão preocupados
só com como as pessoas ouvem,
mas não prestam atenção a como elas falam. A preocupação
dos brasileiros com a voz é uma
coisa recente", diz ele.
Especialistas recomendam
que se fique atento a alterações
na voz ao longo de toda a vida,
não apenas a partir da velhice.
Isso porque outros problemas,
como nódulos, podem aparecer
mesmo em pessoas que são
mais jovens.
Outro sinal a que todos devem prestar atenção é a rouquidão, um dos principais sintomas do câncer de laringe.
Toda rouquidão que não tenha causa conhecida e tenha
duração de mais de duas semanas deve ser investigada por
um otorrinoloringologista.
Bons hábitos
O uso que a pessoa faz da voz
ao longo da vida faz toda a diferença quando a idade chega,
alertam os especialistas.
Café, cigarro, álcool e até
chocolate são grandes inimigos
da voz. Falar muito alto e consumir alimentos muito gelados
também. Tudo o que pode agredir a laringe e as pregas vocais
deve ser evitado. "Uma pessoa
que abusa da voz, fuma e não se
hidrata pode ter alterações de
voz, diferentemente de outra
que cuidou bem da voz ao longo
da vida", diz Katia Nemr.
Essa diferença entre a voz
das pessoas que cultivaram
bons hábitos e a das que não se
cuidaram bem é facilmente
perceptível para a administradora aposentada Ivanir Fernandes Bernardi, 73.
Com mais quatro amigas, ela
tem um grupo de canto em Porto Alegre há seis anos e ainda
participa de mais três corais.
Com a orientação dos professores de canto, pratica exercícios
para a voz e canta cerca de três
horas por dia.
"A diferença entre a minha
voz e a das minhas amigas que não cantam é enorme. Há algumas vozes que, com o tempo,
vão ficando chiadas, você não
consegue ouvir direito o que as
pessoas falam", compara.
Para ela, o canto modificou
até o modo de falar, melhorando a dicção e o ritmo da fala.
"Não atropelo mais as palavras,
não tenho uma voz de 73 anos."
Não é à toa. O canto é uma
das atividades mais recomendadas por especialistas. E quem
pratica aprova os resultados. "A
partir do momento em que você cuida da voz, acaba beneficiando o corpo inteiro", diz Ivanir, que sempre bebe água e
mantém uma alimentação saudável por causa da voz.
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