|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Frio terapêutico
Médicos abaixam a temperatura do corpo do paciente para reduzir o metabolismo, recuperar danos musculares e até queimar gordura
Biwa Inc/Gettyimages
|
|
Hipotermia é usada para prevenir sequelas em cirurgias, aliviar dor muscular e evitar queda de cabelo na quimioterapia
CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O efeito terapêutico
das baixas temperaturas é conhecido há
2.500 anos, desde
quando os egípcios faziam uso
do frio para tratar feridas e inflamações e os gregos utilizavam gelo ou neve para estancar
um sangramento ou reduzir
um inchaço.
Temperaturas baixas favorecem a vasoconstrição, diminuem a sensação de dor e reduzem inflamação, edemas e metabolismo.
Essas características não
mudaram com o tempo, mas
suas possibilidades de aplicação se expandem cada vez mais,
na forma de uma técnica que ficou conhecida como hipotermia terapêutica.
A hipotermia é uma condição
geralmente ruim para o paciente, que não consegue controlar
a temperatura corpórea e pode
sofrer sequelas ou morrer, pois
o organismo necessita estar a
37ºC, em média, para funcionar bem.
Mas, quando é terapêutica, a
técnica favorece procedimentos cirúrgicos ou reduz inflamações por esse mesmo mecanismo, desde que sempre haja
controle médico rigoroso.
Um bom exemplo é a hipotermia local na cabeça de pacientes que precisam se submeter à quimioterapia.
A alopecia é um dos mais temidos efeitos colaterais do tratamento de câncer, especialmente por mulheres. A combinação de drogas utilizada na
quimioterapia atinge o bulbo
capilar e causa a queda do fio.
Estudos iniciais realizados
no IPC (Instituto Paulista de
Cancerologia) mostram que,
no primeiro ciclo de quimioterapia, pacientes que passaram
pela hipotermia perderam 20%
dos seus cabelos, enquanto as
que não usaram a técnica de
resfriamento tiveram uma
queda de 70% dos fios. Estudos
europeus têm dados parecidos.
O paciente usa uma touca
com um gel congelado a uma
temperatura de -25ºC. A touca
é colocada na cabeça 15 minutos antes do início da aplicação
dos quimioterápicos e trocada
a cada 45 minutos. Cada sessão
de químio dura, em média,
duas horas.
Segundo o médico Hézio Jadir Fernandes Júnior, diretor
do IPC e responsável pelo projeto, quando o couro cabeludo é
submetido a baixas temperaturas, ocorre uma vasoconstrição
e uma diminuição do fluxo sanguíneo, fazendo com que os
medicamentos da químio atinjam o bulbo capilar com menos
intensidade.
Mas ele avisa que o método não
evita completamente a perda
de cabelo. "Sempre há alguma
queda, em torno de 20%, 30%.
Isso não é o suficiente para deixar a mulher calva, mas muitas
se incomodam com as falhas e
preferem cortá-lo. Outras não
conseguem ficar sete dias sem
lavar o cabelo [o que é recomendado após a hipotermia]",
explica o médico.
A professora Adelaide Tavares Rancan, 39, fez três ciclos
de quimioterapia com hipotermia e, apesar de ter perdido
quase metade do cabelo, se diz
satisfeita. "Tinha muito medo
de perder tudo. Na frente e nas
laterais da cabeça quase não
caiu. Atrás, dá para perceber algumas falhas. Mas uso um chapeuzinho e está tudo bem", diz
ela, que teve diagnosticado um
câncer de mama em 2008.
Apenas uma das 12 pacientes
que usaram a técnica até agora
se queixou de desconforto em
relação ao frio, afirma Fernandes Júnior. "Tomamos um cuidado muito grande no desvio
da orelha, para que o frio não
afete o pavilhão auditivo."
Em cirurgias
Especialistas da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo) usam hipotermia durante a cirurgia de pacientes
com aneurisma cerebral. Nessa
técnica, a tábua óssea do crânio
(que reveste todo o cérebro) é
retirada e, então, é colocada
uma bolsa de gelo que reduz a
temperatura local para 30ºC.
Após o procedimento, a equipe
realiza a cirurgia.
"Existem muitas pesquisas
que buscam obter substâncias
neuroprotetoras [durante uma
cirurgia no cérebro], mas até
hoje a melhor é a hipotermia",
diz o neurocirurgião Mirto
Prandini, professor e diretor do
Laboratório de Técnicas Neurocirúrgicas da Unifesp.
Quando o cérebro sofre uma
lesão, produz neurotransmissores excitantes em maior
quantidade, que não são benéficas nesse cenário. O uso de
gelo reduz a produção dessas
substâncias estimulantes e diminui o inchaço cerebral, que
pode levar à morte.
No caso de hipertensão craniana maligna, um quadro de
pressão excessiva no cérebro, a
bolsa de gelo ajuda a reduzi-la
em até 50%.
"Realizamos o procedimento
em alguns pacientes com pressão alterada no Hospital São
Paulo", afirma Prandini, que
contabiliza 400 cirurgias de
aneurisma e 23 de hipertensão
craniana com aplicação de hipotermia terapêutica.
A partir do segundo semestre
deste ano, o Instituto do Coração também vai utilizar a hipotermia em vítimas de parada
cardíaca, para aumentar a sobrevida e reduzir as chances de
sequelas neurológicas.
No procedimento, a temperatura é mantida entre 32ºC e
34ºC nas primeiras 24 horas.
Entre os métodos usados para
resfriar o paciente estão roupas
com sistema de refrigeração e
capacete que promove a infusão de ar gelado no cérebro.
Segundo o cardiologista Sergio Timerman, diretor do Laboratório de Treinamento e Simulação em Emergências Cardiovasculares do instituto, a
parada cardíaca é o maior estresse químico que o organismo pode sofrer. "Se a pessoa
não morre na hora, pode morrer depois de insuficiência cardíaca. A hipotermia reduz o
metabolismo, o consumo de
oxigênio das ações vasoconstritoras e vasodilatadoras e o risco
de infecção."
O objetivo é reduzir a temperatura do corpo para "congelar"
os possíveis danos causados pela falta de oxigênio -como paralisia e dificuldades de fala, locomoção e memória.
Recuperação muscular
Atletas também buscam formas menos invasivas de usar o
frio como tratamento.
A técnica é bastante usada
por aqueles que exigem muito
da musculatura. "A ideia é causar um resfriamento da área e
vasoconstrição. Também diminui as microlesões e provoca
sensação de alívio, pois o gelo
dá uma anestesiada na região",
diz Daniel Portella, fisiologista
do Corinthians.
Ao mergulhar os membros
mais exigidos em água com gelo, os vasos sanguíneos se contraem e, no caso de um trauma
agudo, esse mecanismo reduz
inchaços e inflamações.
O judoca Tiago Camilo, medalhista na Olimpíada de Pequim, também é adepto da técnica. Três vezes por semana, ele
faz levantamento de peso para
fortalecer a musculatura. Depois, passa cerca de dez minutos em um tonel de gelo, para se
recuperar para o próximo treino à noite, de judô.
"Isso me deixa mais disposto.
Comecei a fazer um trabalho
mais contínuo. Sinto que a
musculatura se recupera mais
rapidamente e não tenho tanta
dor muscular", diz.
Ainda em estudos, pesquisadores de Harvard buscam um
novo mecanismo, que chamaram de criolipólise, para facilitar a quebra das células adiposas e eliminar gordura localizada de forma não invasiva. O método foi apresentado no encontro da Academia Americana de
Dermatologia.
"Criamos a técnica e, agora,
uma empresa desenvolve a tecnologia e realiza diversos testes
clínicos", disse à Folha Dieter
Manstein, dermatologista da
Harvard Medical School.
De acordo com um trabalho
publicado na revista "Lasers in
Surgery and Medicine", a técnica consiste em resfriar a região a até -7ºC de cinco a 15 minutos. O resfriamento causaria
uma paniculite (inflamação na
gordura subcutânea) e uma
posterior perda dessa gordura.
Texto Anterior: Criança: Greve de fome Próximo Texto: Outras áreas Índice
|