São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009
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ROSELY SAYÃO

Idealização da vida


[...] POR QUE PRECISAMOS GASTAR ENERGIA E TEMPO PARA RESOLVER DETALHES DE NOSSA VIDA SE PODEMOS REPASSAR ESSA RESPONSABILIDADE?

Quem nunca ouviu críticas sobre pais que decidiram terceirizar a educação de seus filhos? Pois bem. Mas essa constatação não pode se restringir a quem tem filhos, já que os pais que agem assim estão apenas se conformando a um estilo de vida adotado por muita gente, principalmente na classe média. Vivemos um tempo em que virou moda repassar as responsabilidades sobre nossa própria vida para outros.
Quando alguém quer melhorar a alimentação, a qualidade de vida e a saúde, contrata um nutricionista e um "personal trainer". Eles avaliam o grau de atividade da pessoa, os tipos e as quantidades de alimentos que consome e elaboram uma grade de exercícios físicos e um cardápio balanceado que deverão ser seguidos. Aliás, a maioria acompanha o cliente nos exercícios para garantir que sejam cumpridos.
Quem não tem tempo para deixar a casa bem organizada, mas quer viver em um local com aparência de casa de revista, não tem com o que se preocupar. Profissionais podem organizar gavetas, armários de roupas e de utensílios, estantes, catalogar tudo e deixar pronto para o uso do feliz proprietário, que, dessa forma, apenas segue as instruções.
Não podemos nos esquecer também do "personal stylist", que dá as dicas necessárias sobre a maneira de se vestir e de comprar roupas e acessórios e indica os melhores trajes para o trabalho, reuniões informais e jantares. Tudo devidamente combinando com o estilo da pessoa, seu corpo etc. Que tranquilidade não ter de tomar tais decisões, não precisar gastar tempo com isso, não é?
E agora podemos respirar mais aliviados ainda, pois já existe um profissional com campo de atuação mais amplo para quando nos deparamos com alguma dificuldade: o "life coach" ou "personal coach".
Após uma análise das questões e dos anseios trazidos pelo cliente, o "life coach" elabora um programa de treinamento para capacitar a pessoa a criar um plano e estratégias para alcançá-lo, a focar em seus objetivos, a ter mais confiança e segurança ao tomar decisões, a se comunicar com eficiência...
Por que precisamos gastar energia e tempo para resolver detalhes de nossa vida se podemos repassar essa responsabilidade a outros que consideramos mais preparados? Essa parece ser a máxima por trás desse costume que vem se disseminando. Precisamos refletir sobre uma questão importante: o que está em jogo é nossa liberdade, nossa autonomia, nossa responsabilidade com a vida.
No mundo de hoje, a vida tornou-se mais complexa: diariamente precisamos tomar decisões, fazer escolhas, renunciar, estabelecer hierarquias. A vida é isso, é por esses caminhos que ela se constitui. E tudo isso tem um custo, é claro.
Mas será possível creditar esse custo na conta de outros? É isso o que estamos tentando fazer na crença de que nosso custo a pagar será apenas monetário. Pode ser nessa grande ilusão que embarcamos. O fato é que estamos pagando para ver a vida materializar-se de forma idealizada. E isso, sim, costuma ter um custo bem alto.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

rosely.sayao@grupofolha.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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