São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002
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Namoro gay em público é problema

AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Demonstrações de afeto entre casais gays em locais públicos. Pode? Sim, legalmente pode (leia mais no texto ao lado), mas elas incomodam -e muito- as pessoas. No mês passado, um casal de namoradas levou um "carão" público em um bar em São Paulo, o Drosophyla, por estar se beijando na boca.
"Demos um beijinho e ficamos abraçadas. Aí a dona veio e pediu para que parássemos", conta a artista plástica Juliana Russo, 26. "Saímos do bar, pois nos sentimos ofendidas." Para a proprietária, Lilian Varella, "o beijo foi indecoroso. Teria feito o mesmo se fosse um casal de heteros".
Segundo o psicólogo e psicanalista Paulo Roberto Ceccareli, "a sociedade vai contra tudo o que foge do padrão cultural. Tanto relacionamentos homossexuais quanto uma relação entre uma mulher de 70 anos e um jovem de 20. Nossa cultura está carregada de valores morais judaico-cristãos".
A psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão afirma que o incômodo com essa situação surge porque "não é socialmente compartilhada a idéia de que homossexualidade não é doença, sem-vergonhice. Há muito estereótipo e preconceito". E mais: o fato de ser uma demonstração de afeto choca ainda mais. "As pessoas acham que homossexualidade só tem a ver com coito, que não existe amor envolvido", diz Sayão.
Bobbi Prado, 21, e Carolina Aboarrage Ferraz, 27, dizem que se beijam em lugares "não-gays", mas ficam constrangidas com as brincadeiras, principalmente por parte de homens. "Tenho certeza de que, em um lugar hetero, pelo menos um vai nos desrespeitar", diz Bobbi. "Olham como se fôssemos animais em um zoológico", completa Carolina.
Elas namoram em qualquer lugar, mas não se beijam na frente de idosos. "É uma questão de respeito, porque a possibilidade de essa pessoa se sentir agredida é grande, porque teve uma outra criação. Mas, se for alguém da nossa idade e se sentir agredido, é alguém muito alienado", diz Carolina.
O estudante Sérgio Rodrigues, 21, conta que já sofreu na pele discriminação por namorar no cinema. "Estava beijando o meu namorado, e o lanterninha nos expulsou, e havia casais heteros se beijando da mesma maneira."
Sayão coloca que a questão da demonstração de afeto depende de cada um. "A pessoa tem de avaliar as consequências, se vai conseguir segurar a onda, porque ela pode ser criticada, provocada, ridicularizada, humilhada e até agredida por outros, infelizmente." E completa: "Ao mesmo tempo, se a pessoa está a fim, por uma razão pessoal ou coletiva, como iniciar um movimento de conscientização, acho que é um caminho".
É o que pensa Juliana, a garota repreendida por beijar a namorada. Ela acha que a exposição é uma maneira de abrir fogo contra o preconceito. "Quanto mais escondido se faz, mais tempo vai ficar o tabu. Nunca escondi, sempre fui muito natural: beijo no metrô, ando de mãos dadas na rua."
Sobre a adequação do ambiente para beijos e abraços, "a pessoa, tanto hetero quanto gay, tem de avaliar se cabe ou não, porque isso vai provocar um tipo de reação, seja a pessoa preconceituosa ou não", diz Sayão.
Já as opiniões dos heterossexuais se dividem. "Não estou preparado para ver e dizer que é normal", diz André Soares, 29, proprietário de academia. "Apesar de ter amigos gays, não aceito esse comportamento em locais públicos. Mas isso não significa que vou fazer alguma reclamação. Vai demorar um tempo para a sociedade aceitar esse tipo de situação."
A advogada Cristina Silva Andrade, 40, diz que não se incomoda, mas faz uma ressalva: "Em lugares públicos, tem de ser feito com moderação, nada muito escandaloso. Isso tanto para gays quanto para heteros".
"Acho que existem coisas mais importantes com as quais se preocupar: a agressão ao meio ambiente, a miséria, a roubalheira dos políticos", diz o ator Rodrigo Veronese, 30.
Para Sayão, o heterossexual tem de reagir da mesma maneira que reagiria com um casal heterossexual. "Se não gosta, desvia o olhar, fica na sua. Tem que dar espaço para a pessoa."



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