São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002
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foco nele

Consultor médico é novo especialista

KÁTIA FERRAZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Surge um novo especialista na medicina: o consultor médico. O conceito, criado nos Estados Unidos, está sendo introduzido no Brasil pelo médico Antonio José Sproesser, 49, supervisor do Centro de Terapia Intensiva da disciplina de clínica médica do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e membro da equipe do hospital Albert Einstein.
De volta ao país após uma longa temporada nos EUA, onde atuou como diretor médico e pesquisador do Institute of Critical Care Medicine, em Palm Springs, na Califórnia, Stroesser defende que o médico tem de tratar o doente, não a doença. "A medicina é como um sacerdócio, e temos de tratar os doentes como seres humanos. Um médico tem o dever de ser humano, dócil, amigo, carinhoso com o paciente e com a família." Leia entrevista abaixo.

Folha - O que é um consultor médico?
Sproesser - Consultor médico ou "medical adviser", como chamamos nos Estados Unidos, é uma especialidade que está crescendo, presente na maioria dos hospitais universitários e grandes hospitais americanos. Esse médico, que é chamado pela família do paciente ou pelo próprio hospital, acumula uma grande experiência em unidades de terapia intensiva (UTI), trauma e urgência, o que lhe permite dar um diagnóstico rápido e preciso em casos mais graves. Além disso, um consultor médico tem de estar disposto a conversar com o paciente ou com os seus familiares sem pressa - durante horas, se for necessário. Até mesmo de madrugada, na casa do doente.

Folha - Sua atuação é parecida então com a de um médico de família?
Sproesser - Sim, mas o consultor médico não precisa conhecer a família. Seu diagnóstico é feito com base em sua experiência e sua especialização.

Folha - Que tipo de formação deve ter o consultor médico?
Sproesser - O consultor médico tem de ter uma base clínica grande, mas seu principal diferencial é a grande experiência adquirida em UTI e emergências. Formamos o consultor médico unindo o conhecimento clínico e a experiência adquirida nessas áreas. Ele é um médico que trata o doente, não a doença, e também desenvolve um trabalho preventivo muito importante durante as cirurgias, conferindo a realização de testes, exames e procedimentos específicos para aquele paciente.

Folha - O que o senhor quer dizer com tratar o doente, não a doença?
Sproesser - Eu defendo muito a humanização da medicina. O médico intensivista, ou seja, que trabalha na UTI, deve checar os aparelhos, mas não pode esquecer o paciente. Em muitas UTIs, o ser humano é o último a ser olhado. Muitos médicos, pensando que o paciente está dormindo ou sedado, conversam sobre seu estado de saúde em voz alta, ao lado do leito, o que causa um prejuízo psicológico muito grande, além de ser um desrespeito com aquele ser humano.

Folha - O senhor está divulgando esses conceitos aqui no Brasil?
Sproesser - Sim. Estou iniciando esse treinamento com os residentes da Unifesp. Quero conscientizar esses residentes de que o doente é diferente da doença, de que é preciso mexer no paciente, descobrir o que está acontecendo individualmente.

Folha - Esse é o primeiro passo para a formação de consultores médicos?
Sproesser - Exatamente. Claro que, para chegar a ser consultor, o médico ainda terá de passar por muitas especializações e pela experiência no atendimento de urgência. Mas não basta atender. O médico tem de passar pela experiência de deitar na cama da UTI, sem relógio, perdendo literalmente a noção do tempo, procurando sentir o que o doente sente. Mas, a partir do treinamento que estamos oferecendo agora, os novos médicos já sairão da residência com uma nova consciência do que é a humanização da medicina.

Folha - Isso é possível no Brasil?
Sproesser - Nesse treinamento que estou implantando, nunca deixo ninguém falar de doença perto do paciente. Ressalto a importância de ir à casa do doente, verificar se tem algum problema social e analisar o problema como um todo. Esse tipo de consciência tem de começar nas escolas de medicina. Infelizmente, algumas escolas no Brasil chamam um clínico de consultório, em início de carreira, para ser professor de clínica médica. No Hospital São Paulo, onde estou dando essa abordagem humanística, funciona, no 5º andar, o Centro Alfa, montado com recursos do Banco Real. Lá, existem dez salas com ar-condicionado, computadores e equipamentos de última geração, e os pacientes são atendidos com essa nova filosofia. São doentes vindos do Hospital São Paulo e até mesmo da rua e que são tratados como nos consultórios particulares.

Folha - Os convênios médicos cobrem o atendimento de um consultor médico?
Sproesser - Ainda não existe esse termo no Brasil, mas as pessoas podem procurar como interconsulta, que é uma consulta médica feita por um profissional gabaritado. Ainda não existem muitos no Brasil, mas a tendência é aumentar. Acaba sendo lucrativo também para os convênios, uma vez que essa prática reduz o índice de internações hospitalares.



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