São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
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[+]CORRIDA

Rodolfo Lucena

Passadas políticas

O corredor é um animal político. Cada vez que dribla a preguiça, engana o cansaço, coloca os tênis e sai às ruas, faz uma declaração pública: aqui vai alguém que quer melhorar de vida. É assim com ricos e pobres, conservadores e progressistas, crentes e ateus. O corredor persegue a boa forma, a paz de espírito, o ritmo mais intenso, a tranquilidade, a velocidade.
É uma busca solitária, que parece ter até um quê de egoísmo. Talvez por isso, quando o conservador presidente francês, Nicolas Sarkozy, surpreendeu o país com seus vigorosos treinos públicos, o jornal "Libération" tenha perguntado: "Será correr algo de direita?".
Pode até ser, mas o fato é que, mais e mais, as corridas são usadas como arma de mobilização e conscientização social. O encerramento do Fórum Social Mundial realizado no Quênia em 2007, por exemplo, não foi a portas fechadas, mas nas ruas, em uma corrida que percorreu as favelas de Nairobi. Levavam a palavra de ordem: "Um outro mundo é possível, mesmo para quem mora nas favelas".
Em outro quadrante, no rico e sofisticado Canadá, um trabalhador negro levanta em uma corrida a bandeira da luta contra o racismo. Casado com uma branca, sofreu na pele a discriminação, que aguentou em silêncio até o dia em que seu filho mais velho, então adolescente, foi cercado e espancado por colegas de escola. Foi quando Henderson Paris viu que não poderia mais ficar calado.
Iniciou então a primeira Corrida Contra o Racismo de sua cidade, a pequena New Glasgow. Brandindo o slogan "Juntos, podemos fazer diferença", foi acompanhado por três ou quatro amigos naquela empreitada, há 20 anos (leia no blog entrevista exclusiva com ele).
O evento cresceu. Neste ano, teve a participação de centenas de pessoas e foi apoiado até pela comunidade onde o ataque racista acontecera.
Há movimentos menos dramáticos: um sujeito já correu a maratona de Nova York vergado sobre o peso de livros didáticos para protestar contra os preços das publicações. No Ceará, um grupo de pelados invadiu uma corrida promovida por um shopping local para denunciar supostas agressões ao ambiente promovidas pelo empreendimento.
E, a cada semana, no Brasil e no mundo, corridas de todo tipo recolhem fundos para causas como a luta contra o câncer. Cada um a seu modo ou unidos em milhares durante uma prova, os corredores reagem contra a estagnação, dizem "não" a males físicos e sociais. Parecem escrever com suas passadas uma declaração de princípios: "Apesar de tudo, nós nos movemos".


RODOLFO LUCENA , 52, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br

www.folha.com.br/rodolfolucena

[!]MARATONA REDIVIVA
No domingo passado, aconteceu a 23ª edição da Maratona do Fogo, em Dourados (MS), depois de um hiato de 4 anos. As boas intenções dos organizadores não compensam falhas como a falta de água em vários pontos. Leia mais no blog.


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