São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2001
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Abastecimento de água está próximo do colapso

Joel Silva/Folha Imagem
Medidor indica redução no volume de água em hidrelétrica em MG


O aquecimento global, o desmatamento, a contaminação e o desperdício estão acabando com as reservas hídricas do planeta

MARGARETE DE MORAES - FREE-LANCE PARA A FOLHA

Será que, além do apagão, seremos obrigados a conviver também com o "secão"? Os números mostram que o Brasil já está próximo de um colapso no abastecimento de água. E não adianta jogar a culpa em são Pedro. Está certo que o santo não anda colaborando. Desde 1999, tem chovido muito abaixo das chamadas médias históricas, calculadas a partir das medições feitas nos últimos 30 anos. As medições realizadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia entre janeiro e julho deste ano mostram que choveu 25% menos do que o esperado. "A diminuição das chuvas é um processo que teve início há três anos e está relacionado com fatores como o aquecimento global e o desmatamento das áreas de mananciais", explica o meteorologista Edson Borges. Samuel Barreto, biólogo e coordenador do Núcleo Pró-Tietê e de Recursos Hídricos da Fundação SOS Mata Atlântica, diz que a ocupação das áreas de mananciais de fato altera o ciclo da água. A diminuição da mata ciliar -espaço de até 30 metros a partir da beira de um rio ou lago que deve ser preservado com mata nativa- também contribui para a mudança no clima. Segundo dados da entidade, 92% da mata atlântica já foram devastados, e cerca de 13 mil hectares são derrubados por ano, só em São Paulo. Para Délcio Rodrigues, físico e diretor de campanhas da ONG Greenpeace, o desgaste da mata atlântica é uma das causas para a falta de chuvas. "As árvores são verdadeiras bombas hidrodinâmicas naturais: captam as águas dos lençóis subterrâneos e as levam, em forma de vapor, para atmosfera, formando nuvens." Os especialistas da SOS Mata Atlântica e do Greenpeace afirmam que ainda não há motivo para pânico, embora a situação seja crítica. "O abastecimento de água merece a mesma atenção que vem sendo dada à crise energética. Afinal, água e energia fazem parte de um mesmo sistema", diz Barreto. Já que a água não está caindo do céu, a opção é buscá-la nas reservas naturais. O problema é que essas reservas estão sendo cada vez mais contaminadas por poluentes industriais e por esgoto sem tratamento. Análise recente feita pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) mostra que a metade dos rios que abastecem São Paulo tem altas concentrações de fósforo e nitrogênio, indicando índices excessivos de esgoto e matéria orgânica decomposta.

Distância
Segundo dados do Instituto Ambiental Vidágua, entidade com sede em Bauru que desenvolve projetos e programas prioritariamente para cidades do interior do Estado, somente a cidade de São Paulo consome 250 milhões de litros de água por hora, o equivalente a 116 piscinas olímpicas. Desse total, 60% são captados no interior, a cerca de 200 km de distância. "Para buscar essa água potável tão longe da cidade, é preciso gastar muita energia elétrica para o bombeamento, e, como a energia é obtida com a água, cria-se um círculo vicioso", explica o biólogo Ivan Ferrazoli, do Vidágua.
Ainda de acordo com o Vidágua, apenas 50% do esgoto paulistano é tratado. O restante, cerca de 1.800 toneladas por dia, acaba no rio Tietê. O programa de despoluição desse rio já consumiu cerca de US$ 1,1 bilhão e, embora tenha obtido bons resultados, ainda é uma gota d'água no oceano de sujeira produzido pela Grande São Paulo. "O custo para recuperar a água é muito alto. Esse é o maior investimento em um projeto ambiental feito na América Latina, mas estamos correndo atrás do prejuízo", afirma Barreto, da SOS Mata Atlântica.
À falta de chuva e à contaminação das fontes naturais, soma-se o desperdício. Nesse aspecto, a crise energética foi até benéfica: obrigada a economizar energia, a população está usando a água também de maneira mais racional. "Na carona da economia de energia, estamos criando a cultura da escassez, em substituição à cultura da abundância, que contribui para o desperdício, Tivemos uma economia de água de 10% em junho, em relação a abril, mas ainda podemos economizar mais", afirma Antonio Carlos de Mendes Thame, secretário de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. O Greenpeace coletou dados, junto à ONU (Organização das Nações Unidas), que mostram que, do total de água no mundo, 97,6% é salgada e apenas 2,4% é doce. O Brasil possui 8% dessa água potável. Os rios brasileiros chegam a descarregar no mar cerca de 251 mil metros cúbicos de água por segundo. É muita água. Em Israel, a descarga de todos os rios fica em torno de apenas 24 metros cúbicos por segundo. "Mas também sabemos, através da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, que o Brasil desperdiça o dobro da média de outros países", afirma Délcio Rodrigues, do Greenpeace.

No lugar errado
As regiões mais po- pulosas do país -Sudeste, com 43% da população, e Nordeste, com 29%-, são as que possuem menos recursos hídricos: 7% e 3%, respectivamente. Já a região Norte, com apenas 7% da população, possui 68% da água do país. "Mas não há como transportar a água excedente de uma região para outra. Os custos seriam inviáveis, e o impacto ambiental, irreversível", afirma Ivan Ferrazoli, do Vidágua. Segundo estimativas da ONU, uma pessoa pode ter uma vida confortável com 2.000 metros cúbicos de água por ano. Dividindo o total de água disponível no Brasil pelo número de habitantes, conclui-se que cada brasileiro dispõe de 35 mil metros cúbicos no mesmo período. Mas, com a má distribuição, sobra muito em um canto e falta em outro. "Por conta da abundância, aprendemos na escola que a água nunca vai faltar no Brasil, mas essa é uma visão distorcida da realidade", diz Rodrigues, do Greenpeace. "Até a visão que temos do planeta está errada: a Terra pode ser o planeta água para as baleias, mas não é para nós."

Crescimento demográfico
O secretário Thame lembra que a Declaração de Estocolmo, feita pela ONU em 1972, é um dos primeiros documentos internacionais relacionados à preservação do meio ambiente. "Porém, quase 30 anos depois, não se conseguiu reverter o ritmo da degradação. Além disso, as últimas décadas foram caracterizadas pelo acelerado crescimento demográfico. Entre 1950 e 2000, a população mundial cresceu de 2,5 bilhões para 6,1 bilhões de pessoas. A população continua crescendo, mas o sistema natural da Terra, não. A quantidade de água doce hoje produzida pelo ciclo hidrológico é a mesma de 1950 e deverá ser a mesma em 2050", alerta.
O ciclo hidrológico citado pelo secretário é o esquema ensinado nas aulas de biologia: a água dos rios, lagos e mares evapora e sobe até as nuvens, onde se condensa em forma de gotas. Quando a nuvem fica muito pesada, chove. Um processo muito simples, mas que está sendo prejudicado de várias maneiras.
"Por causa dos poluentes do ar, esta chuva pode se tornar ácida e contaminar o ambiente. E, com o crescimento urbano, as cidades ficam tão impermeáveis que a água não pode chegar ao solo, indo direto para o esgoto sem ser aproveitada", explica Rodrigues, do Greenpeace. "Estocolmo realmente foi um grande avanço, mas a questão ambiental já foi tratada, aqui no Brasil, até por José Bonifácio de Andrada e Silva; em 1813, ele disse que o país, caso não tomasse providências, poderia sofrer sérios problemas por falta de água em dois séculos. Estamos chegando lá, não estamos?"
A ONU prevê que, em 2054, o planeta terá 9 bilhões de habitantes. Nesse momento, a água atingirá o chamado ponto de equilíbrio, ou seja, sua quantidade será suficiente apenas para atender às necessidades da população. Se houver desperdício, vai faltar. Por mais que são Pedro colabore.



Texto Anterior: Planos cobrem shiatsu e RPG
Próximo Texto: Dicas para não esbanjar água
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.