São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008
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ROSELY SAYÃO

Estudo do meio

Hélio tem quatro anos e freqüenta uma escola de educação infantil particular cuja mensalidade é menos de R$ 200; João Pedro, 9, estuda em uma escola pública; Mariana, 10, estuda em uma escola privada cuja mensalidade está perto dos R$ 300; os pais de Vitor, 11, pagam R$ 600 pela mensalidade e os de Beatriz e Gustavo, em torno de R$1.500.
Há semelhanças e diferenças entre essas escolas, mas pelo menos uma atividade comum: o estudo do meio, que é coqueluche educacional. Vale a pena refletir sobre essa atividade que interfere de diversas maneiras na vida das famílias.
Esse método de ensino não é uma inovação: na década de 80 já era utilizado, mas foi a partir dos anos 90, quando oficialmente indicado pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), que ganhou maior investimento das escolas e, portanto, maior visibilidade social.
O primeiro problema é que qualquer atividade que envolva a saída dos alunos da escola pode ganhar status de estudo do meio. Os pais precisam saber que um passeio, uma excursão, um acampamento ou mesmo a saída da classe para uma atividade cultural não constituem propriamente estudo do meio.
Para ter tal designação, a saída precisa fazer parte de um processo com metodologia própria, que envolve várias etapas de trabalho com objetivos pedagógicos claramente definidos e integrados tanto ao currículo escolar quanto ao projeto pedagógico da escola.
Um outro problema importante é a terceirização desse serviço. Hoje já existe uma modalidade conhecida como "turismo pedagógico ou educacional", que rende um lucro considerável e que, por exemplo, permite a uma escola que compre um pacote completo, com transporte, monitores especializados em conhecimentos específicos e em recreação, sem que a equipe da escola tenha de se dedicar ao trabalho nem que os alunos sejam co-responsáveis. Aliás, alguns desses locais até oferecem acomodações que permitem aos professores que fiquem sem contato com os alunos. Isso não pode ser chamado de estudo do meio.
Muitas escolas justificam as saídas pela socialização entre os alunos e com os professores.
Não: o estudo do meio tem a ver com o ensino do espírito investigativo e metodológico. Também são problemas importantes o custo da saída e a escolha do local do estudo.
Qualquer saída precisa permitir a todos os alunos que participem. Essa é uma questão que interfere não apenas no orçamento familiar mas também na cultura das famílias. Por isso, o ideal seria que as saídas da escola fossem decididas em parceria -já que o estudo é da competência da escola, e o estilo de vida fora do horário escolar é da competência dos pais. E é bom lembrar que meio é qualquer lugar: pode-se estudar a própria escola como meio, seu entorno etc. Não é preciso ir muito longe para isso, inclusive porque as salas de aula são, por excelência, espaços de ensino do espírito pesquisador.
Para finalizar a reflexão, um pouco de Clarice Lispector: "Eu sei de muita coisa que não vi. E vocês também, eu sei.".


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br



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