São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2000
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s.o.s família
O menino diz que é menina? Normal

rosely sayão

Tratar das questões da sexualidade da criança não é nada fácil para pais ou professores. "Meu filho de 3 anos e 7 meses está nos assustando: colocou uma calcinha minha e disse que é menina. Isso é um sinal de tendências homossexuais?" "Minha filha tem 5 anos e está com a sexualidade precoce: enquanto assiste TV fica se masturbando. Como faço para prevenir um comportamento promíscuo na adolescência?" "Surpreendi um aluno de 6 anos no banheiro com um coleguinha da mesma idade, e um estava tentando colocar o pipi no outro. Devo indicar atendimento psicológico para evitar problemas homossexuais futuros?"
Essas perguntas mostram uma vontade muito grande dos adultos de acertar o rumo na educação sexual de seus filhos ou alunos. Na realidade, o que essas perguntas evidenciam é o tamanho dos preconceitos e estereótipos sexuais que os adultos têm e o modo como isso interfere na vida das crianças. A criança ainda nem sonha que vai crescer e já é avaliada como adulto!
Bem, pra começo de conversa, é bom saber que a criança tem o direito de manifestar de qualquer modo sua sexualidade sem que isso seja percebido como um problema, no presente ou no futuro. Não se pode dar a conotação de "anormalidade" ou promiscuidade a um comportamento de uma criança que nada mais faz do que procurar o prazer ou saciar a curiosidade de quem está descobrindo e quer conhecer o próprio corpo e o de outra criança. A sexualidade da criança manifesta-se de modo bastante diverso da do adulto.
Afinal, quando a sexualidade começa a se manifestar? Desde o nascimento! E é principalmente nos primeiros anos de vida, antes de completar os 7 anos, que a criança recebe as primeiras noções de educação sexual por parte dos adultos que cuidam dela.
Portanto, os pais e professores de escolas de educação infantil e creches são as pessoas que mais influenciam o desenvolvimento da criança, já que a sexualidade é peça fundamental nesse processo.
A criança se masturba na sala, na frente de todos? Normal. O que ela precisa nesse momento não é de um julgamento moralizante e muito menos ser encarada como fonte de preocupação. Ela precisa é ser ensinada a discriminar privacidade de convivência e de uma atitude educativa dos pais ou do professor que a ajude a aprender a lidar com seus impulsos.
Uma simples frase que a faça interromper atividade tão prazerosa para deixar para mais tarde, quando estiver sozinha, é o que basta.
Um garoto diz que é menina? Normal, pois ele nem aprendeu ainda o que significa ser menino ou ser menina! Ele já sabe que existe um corpo diferente do dele e imagina, pensa, fantasia livremente sobre isso para aprender mais sobre si mesmo e sobre os outros.
O que ele precisa nesse momento não é de uma previsão. Ele precisa, apenas, ter espaço para se manifestar e de uma atitude que o ajude a lidar com o seu corpo e com a diferença sexual.
Duas ou mais crianças praticam jogos sexuais? Normal, isso não pode ser comparado a uma atividade adulta. Parece, mas não é: brincar de sexo não é o mesmo que fazer sexo. Para ilustrar: alguns alunos da primeira série contam a uma professora que namoram no recreio e transam. Assustada, a professora fica sem saber o que fazer, até que é orientada a ouvir as crianças. Pois na conversa ela aprende o que significa, para essas crianças, transar: deitarem umas sobre as outras e baterem as barrigas.
A maior parte das preocupações dos educadores sobre as manifestações da sexualidade da criança se referem à moral sexual adulta. É preciso perder o medo e superar os próprios preconceitos para educar, permitir que a criança tenha espaço para indagar, explorar, buscar o prazer, saciar sua curiosidade.
Faz parte do desenvolvimento.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br



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