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S.O.S. família - Rosely Sayão
Encontro de gerações
Li, recentemente, alguns guias de lazer e
de turismo que indicam lugares aonde as
pessoas podem ir tanto para conhecer outras pessoas quanto
para se divertir. Notei um pormenor: as publicações fazem
referência, sempre que podem,
à idade do público. Assim, podemos identificar locais freqüentados por jovens com até
25 anos ou por adultos que alcançam os 35, hotéis que não
aceitam crianças pequenas etc.
Imediatamente lembrei-me
de uma característica das lojas:
especializam-se em atender o
público consumidor também
por faixa de idade. Aliás, boa
parte das lojas oferece roupas
de estilo jovem -a diferença é
apenas o tipo de jovem que elas
atendem. Algumas oferecem
roupas aos adolescentes e outras atendem a um público consumidor um pouco mais velho,
mas ainda jovem.
Essas duas observações combinadas podem nos levar a refletir a respeito de como temos
vivido um apartheid de gerações. Temos lugares e atividades para crianças pequenas e
maiores, para adolescentes e
jovens, para adultos jovens e
menos jovens e para velhos.
O fundamental parece ser
não misturar as gerações, e isso
já está tão arraigado que até os
pais, quando buscam escolas,
observam se há convivência ou
mesmo proximidade dos alunos mais novos com os mais velhos, inclusive no horário de intervalo, porque querem evitá-la. As escolas também consideram o fato problemático e,
quando têm um aluno dois ou
três anos mais velho do que a
média da classe, cercam-se de
cuidados. Chegamos ao ponto
de considerar inadequada, arriscada e até nociva a convivência de crianças com outras mais
velhas, ou mais novas, e delas
com os adolescentes.
Não sabemos ao certo quando e por que esse receio começou, mas tal estilo de vida está
presente no mundo adulto.
Considero os "bailes da terceira
idade", promovidos com tão
boas intenções, um ícone desse
estilo de viver -o apartheid de
gerações. Damos condições para que os velhos se reúnam com
outros velhos, e isso é positivo,
mas ao mesmo tempo os separamos da convivência com as
outras gerações. Em outras palavras: nós os segregamos.
As conseqüências desse desmembramento social são variadas. Para os mais novos, criamos dificuldades sérias. Já perceberam como as crianças mais
velhas não sabem ter os cuidados necessários quando cruzam com as mais novas?
Elas incorporaram tanto o hábito de
estarem freqüentemente
acompanhadas por pares de
idade semelhante que não sabem ter as precauções necessárias com os menores.
E os adolescentes? Para eles,
as crianças e os velhos são um
empecilho, quando não invisíveis. Basta observar um grupo
de adolescentes passeando em
um shopping para constatar
como eles ignoram as crianças
e os velhos que passam por eles.
A convivência entre pessoas
de idades diferentes é salutar e
necessária. As conversas podem resultar em troca e aprendizado. Como as atitudes e os
comportamentos precisam ser
adaptados, isso ensina a ter maleabilidade em situações diferentes e, principalmente, amplia a visão de cada um sobre si
mesmo e sobre o mundo.
Como as famílias estão menores e já não convivem com
regularidade com os parentes,
as crianças e os jovens estão
quase confinados na convivência com seus pares. Se mantivermos essa característica na
vida social, como fica a transmissão de idéias de uma geração para outra? E como fica,
principalmente, nosso traquejo
no relacionamento com as outras gerações? Hoje parece que
temos de nos transformar em
um deles para nos relacionarmos, não é verdade?
[...] A convivência entre pessoas de idades diferentes é salutar; as conversas podem resultar em aprendizado
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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