São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006
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S.O.S. família - Rosely Sayão

Encontro de gerações

Li, recentemente, alguns guias de lazer e de turismo que indicam lugares aonde as pessoas podem ir tanto para conhecer outras pessoas quanto para se divertir. Notei um pormenor: as publicações fazem referência, sempre que podem, à idade do público. Assim, podemos identificar locais freqüentados por jovens com até 25 anos ou por adultos que alcançam os 35, hotéis que não aceitam crianças pequenas etc.
Imediatamente lembrei-me de uma característica das lojas: especializam-se em atender o público consumidor também por faixa de idade. Aliás, boa parte das lojas oferece roupas de estilo jovem -a diferença é apenas o tipo de jovem que elas atendem. Algumas oferecem roupas aos adolescentes e outras atendem a um público consumidor um pouco mais velho, mas ainda jovem.
Essas duas observações combinadas podem nos levar a refletir a respeito de como temos vivido um apartheid de gerações. Temos lugares e atividades para crianças pequenas e maiores, para adolescentes e jovens, para adultos jovens e menos jovens e para velhos.
O fundamental parece ser não misturar as gerações, e isso já está tão arraigado que até os pais, quando buscam escolas, observam se há convivência ou mesmo proximidade dos alunos mais novos com os mais velhos, inclusive no horário de intervalo, porque querem evitá-la. As escolas também consideram o fato problemático e, quando têm um aluno dois ou três anos mais velho do que a média da classe, cercam-se de cuidados. Chegamos ao ponto de considerar inadequada, arriscada e até nociva a convivência de crianças com outras mais velhas, ou mais novas, e delas com os adolescentes.
Não sabemos ao certo quando e por que esse receio começou, mas tal estilo de vida está presente no mundo adulto. Considero os "bailes da terceira idade", promovidos com tão boas intenções, um ícone desse estilo de viver -o apartheid de gerações. Damos condições para que os velhos se reúnam com outros velhos, e isso é positivo, mas ao mesmo tempo os separamos da convivência com as outras gerações. Em outras palavras: nós os segregamos.
As conseqüências desse desmembramento social são variadas. Para os mais novos, criamos dificuldades sérias. Já perceberam como as crianças mais velhas não sabem ter os cuidados necessários quando cruzam com as mais novas?
Elas incorporaram tanto o hábito de estarem freqüentemente acompanhadas por pares de idade semelhante que não sabem ter as precauções necessárias com os menores. E os adolescentes? Para eles, as crianças e os velhos são um empecilho, quando não invisíveis. Basta observar um grupo de adolescentes passeando em um shopping para constatar como eles ignoram as crianças e os velhos que passam por eles.
A convivência entre pessoas de idades diferentes é salutar e necessária. As conversas podem resultar em troca e aprendizado. Como as atitudes e os comportamentos precisam ser adaptados, isso ensina a ter maleabilidade em situações diferentes e, principalmente, amplia a visão de cada um sobre si mesmo e sobre o mundo.
Como as famílias estão menores e já não convivem com regularidade com os parentes, as crianças e os jovens estão quase confinados na convivência com seus pares. Se mantivermos essa característica na vida social, como fica a transmissão de idéias de uma geração para outra? E como fica, principalmente, nosso traquejo no relacionamento com as outras gerações? Hoje parece que temos de nos transformar em um deles para nos relacionarmos, não é verdade?

[...] A convivência entre pessoas de idades diferentes é salutar; as conversas podem resultar em aprendizado


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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