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Rosely Sayão
Agir coletivamente
Na sala de professores
de um colégio, na hora do intervalo, os
mestres conversam
sobre os alunos de uma turma.
Na verdade, eles reclamam: o
grupo é agitado, disperso, não
respeita os prazos para a entrega dos trabalhos, não cumpre
com os deveres de casa, são desrespeitosos na convivência barulhenta que travam entre si e
com os educadores etc.
Um professor afirma que decidiu tomar providências extremas: conversou com o coordenador do ciclo e vai passar a
enviar os alunos que considera
os "cabeças" da desorganização
da sala para uma conversa e,
possivelmente, uma exemplar
punição. Outro diz que decidiu
apertar os alunos no conteúdo
e endurecer nas provas.
Uma professora, mais tranqüila, informa que consegue ter
a atenção deles e que, nos momentos de agitação, tenta acalmá-los com uma atividade diferente. Um colega reage com
ironia e, assim que esta sai da
sala, comenta que a aula dela é a
mais barulhenta do corredor.
Cada mestre busca uma saída
para enfrentar o caos da sala de
aula, mas cada um deles pensa e
age solitariamente: nenhuma
proposta de ação coletiva e solidária é considerada.
Uma outra cena, parecida em
sua estrutura com essa primeira, ocorre diariamente nas ruas
da cidade: num cruzamento em
que o trânsito pára por minutos, um grupo aproveita para
assaltar carros. Os assaltantes
têm tempo até para escolher as
vítimas, e quase todos os que
estão presos nos veículos sabem o que está para acontecer.
Por alguns instantes, aqueles
carros e seus condutores formam um grupo, mas, novamente, a resposta que têm é individualizada: um assegura que
as portas estão trancadas, outro
se tranqüiliza porque está num
carro blindado e todos ficam
impotentes, torcendo apenas
para que o trânsito flua. Não
passa pela cabeça de ninguém
uma reação coletiva.
Numa conversa com uma
amiga, ela se perguntava se, no
recente massacre ocorrido em
uma universidade dos Estados
Unidos, não teria sido possível
salvar algumas vidas se professores e alunos tivessem tentado
uma ação coletiva. Talvez sim,
talvez não, mas o fato é que não
pensamos nessa possibilidade
simplesmente porque cada indivíduo se responsabiliza só
por gerenciar a própria vida.
É: em tempos de individualismo, quem não pensa só em si
pode se transformar em herói
em raras situações -caso do
professor que protegeu alunos
no massacre citado e de alguns
trabalhadores que devolveram
dinheiro encontrado no espaço
público- ou, mais freqüentemente, em ameaça, já que muitos sentem que quem busca
proteger o bem comum fere a
liberdade individual. Um grupo
de pais que conheço fez uma
campanha pelo respeito às leis
do trânsito nos arredores da escola dos filhos. Foram muito
mal recebidos pelos pais que
param em fila dupla e estacionam em local proibido. Cada
um julga ter um bom motivo
pessoal para agir assim.
O problema é que, ao vivermos na lei do "cada um por si".
deixamos de ter o sentimento
de pertença, esquecemos que
somos interdependentes e perdemos a noção de que buscar o
bem comum resulta em benefícios para cada indivíduo.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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