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nutrição
Consuma com moderação
Na contramão dos estudos que sinalizam benefícios
da soja, cientistas e sociedades médicas questionam
as propriedades atribuídas a ela e alertam para
efeitos adversos do consumo excessivo
[...] Pais devem ter cautela ao dar fórmulas de soja
para crianças, dizem entidades médicas no exterior
FLÁVIA MANTOVANI
THIAGO MOMM PEREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre os alimentos
funcionais (aqueles
que, além de nutrir,
ajudam a prevenir
doenças), a soja talvez seja a
maior vedete. Ingrediente da
dieta oriental há milhares de
anos, muitos são os ocidentais
que vêm driblando o sabor pouco familiar para se beneficiar de
todas as vantagens atribuídas à
leguminosa: alto teor de proteína e de fibras, alívio para os sintomas da menopausa, redução
do colesterol ruim, prevenção
contra a osteoporose e contra
alguns tipos de câncer.
Entre 1999 e 2005, a produção de grãos de soja no país aumentou de 31.377 milhões de
toneladas para 53.053 milhões.
Além do grão e dos tradicionais
leite e queijo, hambúrgueres,
sorvetes e chocolates são alguns produtos à base de soja
disponíveis no mercado.
Agora, na contramão da
grande oferta e dos estudos que
sinalizam benefícios, cientistas, agências governamentais e
sociedades médicas de alguns
países questionam as propriedades atribuídas a ela e alertam
para possíveis efeitos adversos
do consumo excessivo.
Autoridades e sociedades
médicas de países como Inglaterra, Canadá, França e Nova
Zelândia recomendam cautela,
por exemplo, ao alimentar bebês com fórmulas à base de soja. "Eles alegam que não há estudos de longo prazo que mostrem a segurança desses produtos para crianças pequenas. A
soja tem isoflavona [substância
semelhante ao hormônio feminino estrógeno], e não sabemos
os efeitos dela em um sistema
reprodutivo imaturo como o da
criança", afirma Roseli Sarni,
presidente do departamento
de nutrologia da Sociedade
Brasileira de Pediatria. Ela diz
que a entidade levará isso em
conta em um consenso sobre
alergias que está elaborando.
Estudos também vêm mostrando que a soja interfere na
produção do hormônio tiroxina (da tireóide) e que pode, por
isso, não ser indicada para
quem tem predisposição genética ao hipotireoidismo.
Crianças, idosos, gestantes e
pessoas com dificuldade de absorver nutrientes também são
recomendados a não exagerar
-compostos antinutricionais
da soja diminuem a absorção
de certos minerais.
A discussão vem ganhando
espaço principalmente na Nova Zelândia e no Reino Unido.
No Brasil, a Sbem (Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia) alerta em relação
a possíveis riscos e questiona
uma das principais propriedades atribuídas à soja: o alívio
dos calores da menopausa.
Após revisar vários estudos, a
entidade concluiu, em um artigo, que sua eficácia como alternativa de reposição hormonal é
praticamente nula.
Segundo a endocrinologista
Ruth Clapauch, do departamento de endocrinologia feminina e andrologia da Sbem, a
maior parte dos estudos que
mostram efeitos positivos é in
vitro ou com animais e não pode ser transposta diretamente
para o ser humano.
"Na prática, os efeitos estrogênicos da isoflavona são muito
fracos e praticamente iguais
aos do placebo. Ela não consegue se ligar aos receptores de
estrogênio com a mesma facilidade que os hormônios do nosso corpo. Concluímos que não é
eficaz para esse fim", diz.
Segundo Clapauch, o fato de
algumas mulheres relatarem
alívio com a soja pode se dever
à intermitência natural dos calores. "Mesmo não usando nada, os fogachos vão e voltam."
Já a farmacêutica bioquímica Maria Inês Genovese, professora do departamento de alimentos e nutrição experimental da USP (Universidade de
São Paulo), considera "inquestionável" a diminuição dos sintomas da menopausa pela soja.
O que não está provado, diz
ela, são a eficácia e a segurança
dos suplementos que trazem a
isoflavona isolada. "É importante que a isoflavona seja consumida no alimento, com os
demais componentes. Mas o
consumo da soja deve ser incentivado. Não há nada que
conclua que ela oferece riscos."
Ela lembra que pesquisas
mostram que a incidência de
sintomas da menopausa é menor entre as orientais, habituais consumidoras de soja.
Para Ruth Clapauch, no entanto, isso pode ser explicado
por diferenças culturais. "As
manifestações da menopausa
variam entre as culturas. No
Japão, as mulheres reclamam
de cansaço e de peso no ombro,
mas o fogacho não é comum."
Problemas na tireóide
Além da falta de eficácia na
reposição hormonal, Clapauch
diz que a soja também não previne contra a osteoporose e que
o seu consumo excessivo pode
ter efeitos indesejáveis na tireóide. "Recebo muitas pacientes com diagnóstico de hipotireoidismo e que consomem
muita soja." Ela não se opõe à
soja como alimento, mas afirma que quem já tiver predisposição genética para hipotireoidismo não deve exagerar.
Qual é a dose máxima, então?
Segundo os pesquisadores ouvidos pela Folha, não há uma
quantia definida. "Depende de
vários fatores, como a suscetibilidade e o peso de cada organismo. A dose que eu consideraria segura é de até 50 mg de
isoflavona por dia, o necessário
para trazer benefícios ao colesterol. O resto é exagero", diz
Clapauch. Isso equivale, aproximadamente, a 200 mg de tofu, 500 ml de leite de soja ou
menos de 50 g do grão torrado.
Para o pesquisador neozelandês Mike Fitzpatrick, que
fez vários estudos na área, é
preciso definir justamente
quais são as doses recomendadas para cada grupo.
Ele acredita que há um aumento exagerado do consumo
de soja no mundo ocidental e
lembra que a soja está "embutida em diversos produtos processados, como cereais, molhos
e sobremesas -de acordo com
ele, mais de 60% dos alimentos
processados no Reino Unido
contêm a leguminosa.
Fitzpatrick começou a investigar a soja a pedido de um casal
cujos papagaios exóticos eram
alimentados com preparados à
base de soja. "Alguns ficaram
doentes, morreram ou atingiram a maturidade sexual prematuramente ou tiveram problemas de tireóide. Decidimos
pedir para um laboratório investigar", relatou à Folha Valerie James, dona das aves.
A nutricionista Lília Zago
dos Santos, doutoranda da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), também
recomenda o equilíbrio. "A soja
tem grande valor nutricional. O
que a gente indica é cuidado
com o excesso, principalmente
para quem tem problemas para
absorver nutrientes."
Isso por causa de compostos
antinutricionais, que dificultam a absorção de minerais como ferro, zinco e cálcio.
Quando a soja é cozida ou
processada industrialmente,
uma parte desses componentes
é eliminada. "Mas não há 100%
de inativação, e o pouco que fica pode comprometer a absorção, principalmente em pessoas susceptíveis, como crianças, gestantes e idosos. Não é
bom abusar", diz Santos.
Câncer e colesterol
Um efeito tido como certo
por vários pesquisadores é a redução do "mau" colesterol. De
fato, os estudos mostram que a
redução é real. Mas um artigo
publicado em janeiro pela AHA
(American Heart Association)
na revista científica "Circulation" mostrou que essa redução, mesmo em quem come
grande quantidade de soja, é
muito pequena.
O artigo afirma ainda que
"nenhum benefício relacionado ao colesterol HDL ["bom"
colesterol], aos triglicérides (...)
e à pressão arterial foi evidente."
O artigo também questiona a
função preventiva da soja em
relação aos cânceres de mama,
de endométrio e de próstata.
De acordo com o oncologista
Vladmir Cordeiro de Lima, do
Hospital do Câncer, em São
Paulo, não há evidências que
comprovem essa vantagem.
"Alguns estudos até mostram
propriedades protetoras, mas
não há provas sólidas disso."
Transgênicos
A soja é o único alimento
transgênico regulamentado no
Brasil. Sezifredo Paz, sanitarista veterinário consultor do Idec
(Instituto de Defesa do Consumidor), diz que faltam estudos
sobre o efeito desse tipo de grão
e que "o que mais preocupa é o
resíduo de glifosato", um agrotóxico, na soja transgênica.
Já o presidente da Aprosoja
(Associação dos Produtores de
Soja do Estado do Mato Grosso), Rui Prado, afirma que a soja transgênica usa menos agrotóxicos do que a convencional.
"A soja é uma lavoura muito
"tecnificada". Por isso, não tem
como errar nesses aspectos."
Sobre os efeitos à saúde, ele diz
conhecer apenas benefícios.
Para Mercedes Carrão Panizzi, pesquisadora da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a soja acrescenta diversidade à alimentação. Ela faz, no entanto, uma
ressalva: "Há centenas de trabalhos sobre soja. Alguns mostram que, em certas pessoas,
não há efeitos."
Agradecimento: Pepper (www.pepper.com.br )
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