São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006
Próximo Texto | Índice

nutrição

Consuma com moderação

Na contramão dos estudos que sinalizam benefícios da soja, cientistas e sociedades médicas questionam as propriedades atribuídas a ela e alertam para efeitos adversos do consumo excessivo

[...] Pais devem ter cautela ao dar fórmulas de soja para crianças, dizem entidades médicas no exterior

FLÁVIA MANTOVANI
THIAGO MOMM PEREIRA

DA REPORTAGEM LOCAL

Entre os alimentos funcionais (aqueles que, além de nutrir, ajudam a prevenir doenças), a soja talvez seja a maior vedete. Ingrediente da dieta oriental há milhares de anos, muitos são os ocidentais que vêm driblando o sabor pouco familiar para se beneficiar de todas as vantagens atribuídas à leguminosa: alto teor de proteína e de fibras, alívio para os sintomas da menopausa, redução do colesterol ruim, prevenção contra a osteoporose e contra alguns tipos de câncer.
Entre 1999 e 2005, a produção de grãos de soja no país aumentou de 31.377 milhões de toneladas para 53.053 milhões. Além do grão e dos tradicionais leite e queijo, hambúrgueres, sorvetes e chocolates são alguns produtos à base de soja disponíveis no mercado.
Agora, na contramão da grande oferta e dos estudos que sinalizam benefícios, cientistas, agências governamentais e sociedades médicas de alguns países questionam as propriedades atribuídas a ela e alertam para possíveis efeitos adversos do consumo excessivo.
Autoridades e sociedades médicas de países como Inglaterra, Canadá, França e Nova Zelândia recomendam cautela, por exemplo, ao alimentar bebês com fórmulas à base de soja. "Eles alegam que não há estudos de longo prazo que mostrem a segurança desses produtos para crianças pequenas. A soja tem isoflavona [substância semelhante ao hormônio feminino estrógeno], e não sabemos os efeitos dela em um sistema reprodutivo imaturo como o da criança", afirma Roseli Sarni, presidente do departamento de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ela diz que a entidade levará isso em conta em um consenso sobre alergias que está elaborando.
Estudos também vêm mostrando que a soja interfere na produção do hormônio tiroxina (da tireóide) e que pode, por isso, não ser indicada para quem tem predisposição genética ao hipotireoidismo.
Crianças, idosos, gestantes e pessoas com dificuldade de absorver nutrientes também são recomendados a não exagerar -compostos antinutricionais da soja diminuem a absorção de certos minerais.
A discussão vem ganhando espaço principalmente na Nova Zelândia e no Reino Unido.
No Brasil, a Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) alerta em relação a possíveis riscos e questiona uma das principais propriedades atribuídas à soja: o alívio dos calores da menopausa. Após revisar vários estudos, a entidade concluiu, em um artigo, que sua eficácia como alternativa de reposição hormonal é praticamente nula.
Segundo a endocrinologista Ruth Clapauch, do departamento de endocrinologia feminina e andrologia da Sbem, a maior parte dos estudos que mostram efeitos positivos é in vitro ou com animais e não pode ser transposta diretamente para o ser humano.
"Na prática, os efeitos estrogênicos da isoflavona são muito fracos e praticamente iguais aos do placebo. Ela não consegue se ligar aos receptores de estrogênio com a mesma facilidade que os hormônios do nosso corpo. Concluímos que não é eficaz para esse fim", diz.
Segundo Clapauch, o fato de algumas mulheres relatarem alívio com a soja pode se dever à intermitência natural dos calores. "Mesmo não usando nada, os fogachos vão e voltam."
Já a farmacêutica bioquímica Maria Inês Genovese, professora do departamento de alimentos e nutrição experimental da USP (Universidade de São Paulo), considera "inquestionável" a diminuição dos sintomas da menopausa pela soja.
O que não está provado, diz ela, são a eficácia e a segurança dos suplementos que trazem a isoflavona isolada. "É importante que a isoflavona seja consumida no alimento, com os demais componentes. Mas o consumo da soja deve ser incentivado. Não há nada que conclua que ela oferece riscos."
Ela lembra que pesquisas mostram que a incidência de sintomas da menopausa é menor entre as orientais, habituais consumidoras de soja.
Para Ruth Clapauch, no entanto, isso pode ser explicado por diferenças culturais. "As manifestações da menopausa variam entre as culturas. No Japão, as mulheres reclamam de cansaço e de peso no ombro, mas o fogacho não é comum."

Problemas na tireóide
Além da falta de eficácia na reposição hormonal, Clapauch diz que a soja também não previne contra a osteoporose e que o seu consumo excessivo pode ter efeitos indesejáveis na tireóide. "Recebo muitas pacientes com diagnóstico de hipotireoidismo e que consomem muita soja." Ela não se opõe à soja como alimento, mas afirma que quem já tiver predisposição genética para hipotireoidismo não deve exagerar.
Qual é a dose máxima, então? Segundo os pesquisadores ouvidos pela Folha, não há uma quantia definida. "Depende de vários fatores, como a suscetibilidade e o peso de cada organismo. A dose que eu consideraria segura é de até 50 mg de isoflavona por dia, o necessário para trazer benefícios ao colesterol. O resto é exagero", diz Clapauch. Isso equivale, aproximadamente, a 200 mg de tofu, 500 ml de leite de soja ou menos de 50 g do grão torrado.
Para o pesquisador neozelandês Mike Fitzpatrick, que fez vários estudos na área, é preciso definir justamente quais são as doses recomendadas para cada grupo.
Ele acredita que há um aumento exagerado do consumo de soja no mundo ocidental e lembra que a soja está "embutida em diversos produtos processados, como cereais, molhos e sobremesas -de acordo com ele, mais de 60% dos alimentos processados no Reino Unido contêm a leguminosa. Fitzpatrick começou a investigar a soja a pedido de um casal cujos papagaios exóticos eram alimentados com preparados à base de soja. "Alguns ficaram doentes, morreram ou atingiram a maturidade sexual prematuramente ou tiveram problemas de tireóide. Decidimos pedir para um laboratório investigar", relatou à Folha Valerie James, dona das aves. A nutricionista Lília Zago dos Santos, doutoranda da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), também recomenda o equilíbrio. "A soja tem grande valor nutricional. O que a gente indica é cuidado com o excesso, principalmente para quem tem problemas para absorver nutrientes." Isso por causa de compostos antinutricionais, que dificultam a absorção de minerais como ferro, zinco e cálcio. Quando a soja é cozida ou processada industrialmente, uma parte desses componentes é eliminada. "Mas não há 100% de inativação, e o pouco que fica pode comprometer a absorção, principalmente em pessoas susceptíveis, como crianças, gestantes e idosos. Não é bom abusar", diz Santos.

Câncer e colesterol
Um efeito tido como certo por vários pesquisadores é a redução do "mau" colesterol. De fato, os estudos mostram que a redução é real. Mas um artigo publicado em janeiro pela AHA (American Heart Association) na revista científica "Circulation" mostrou que essa redução, mesmo em quem come grande quantidade de soja, é muito pequena. O artigo afirma ainda que "nenhum benefício relacionado ao colesterol HDL ["bom" colesterol], aos triglicérides (...) e à pressão arterial foi evidente." O artigo também questiona a função preventiva da soja em relação aos cânceres de mama, de endométrio e de próstata. De acordo com o oncologista Vladmir Cordeiro de Lima, do Hospital do Câncer, em São Paulo, não há evidências que comprovem essa vantagem. "Alguns estudos até mostram propriedades protetoras, mas não há provas sólidas disso."

Transgênicos
A soja é o único alimento transgênico regulamentado no Brasil. Sezifredo Paz, sanitarista veterinário consultor do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), diz que faltam estudos sobre o efeito desse tipo de grão e que "o que mais preocupa é o resíduo de glifosato", um agrotóxico, na soja transgênica. Já o presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja do Estado do Mato Grosso), Rui Prado, afirma que a soja transgênica usa menos agrotóxicos do que a convencional. "A soja é uma lavoura muito "tecnificada". Por isso, não tem como errar nesses aspectos." Sobre os efeitos à saúde, ele diz conhecer apenas benefícios. Para Mercedes Carrão Panizzi, pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a soja acrescenta diversidade à alimentação. Ela faz, no entanto, uma ressalva: "Há centenas de trabalhos sobre soja. Alguns mostram que, em certas pessoas, não há efeitos."


Agradecimento: Pepper (www.pepper.com.br )


Próximo Texto: O que dizem os defensores da soja
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.