São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2010
Próximo Texto | Índice

OUTRAS IDEIAS

FRANCISCO DAUDT - fdaudt2@gmail.com.br

Sem drama e sem vexame

Eles souberam transmitir aos filhos a ideia de que sexo é uma coisa boa da vida

EDUARDO E MONICA tiveram um bom aconselhamento sobre como criar os filhos, fizeram um bom casal e geraram Cristina e Rodrigo, com três anos de diferença.
Eduardo se deslumbrou com a dádiva do feminismo: a paternidade participativa.
Acordou de madrugada, trocou fraldas, deu mamadeira, pôs para arrotar, ninou na cadeira de balanço deixando Monica dormir -um gesto de amor com filha e mãe.
Quando Cristina cresceu, Eduardo a viu na banheira, deixando a água da torneira correr sobre seus genitais.
-É uma delícia, não, filha?
-Como você sabe, pai?
-Porque já tive a tua idade, ora! Você já experimentou o chuveirinho do bidê?
-Já...
-Então te peço que use o bidê antes que a água de nossa caixa vá toda embora.
Adoro essa história de Eduardo e a filha. Aceitar a sexualidade dela passando um ensinamento de economia me pareceu justo.
O fato é que quando Rodrigo tinha 12 anos foi perguntar ao pai se masturbação doía. E Eduardo respondeu:
-Bem, depois da quinta vez em seguida, dói, sim!
-Ah, bom!, disse Rodrigo.
Eduardo e Monica transmitiram para os filhos a ideia de que sexo era algo agradável da vida: nenhum drama, nenhum vexame e todo o direito ao desejo. Sexo é algo da natureza: se Deus nos deu, ele não quer que nos envergonhemos disso.
Quando Cristina tinha 15, Eduardo a flagrou ficando com o amiguinho numa festa.
Ela já tinha explicado a ele a diferença entre ficar, estar ficando, namorar e morar junto ("esse negócio de noivar é para gay, pai; e casar, bom, pode ser"). Eduardo ficou perplexo, mas entendeu.
Depois, Cristina perguntou: -Pai, você ficou meio bolado de me ver ficando?
Eduardo foi brilhante: -Não, filha. Ficar é como brincar de sexo. E, você sabe, sexo é como dirigir: delicioso, mas envolve riscos graves.
Você vê, eu tenho feito você aprender a andar de velocípede, bicicleta, patins, cavalo, e tudo para quê? Para que você tenha noção de direção, distâncias, prudência, estabilidade, responsabilidade, respeito e cuidado com você e com o outro.
Para que obedeça regras e exija que o outro as obedeça.
Era tudo uma brincadeira que envolvia um conceito: você está se preparando para uma prática que envolve algo muito mais sério: o risco de morrer, de matar e de ter sua reputação arruinada. Vale tanto para dirigir automóveis quanto para praticar sexo.
Colocar cinto de segurança, usar camisinha, não beber antes de dirigir, não beber com quem não confia etc.
Cristina abraçou seu pai, grata e com orgulho.


FRANCISCO DAUDT, psicanalista e médico, é autor de "Onde Foi Que Eu Acertei?", entre outros livros


Próximo Texto: Comente, pergunte
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.