São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2010
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Fraldas, chupetas e frustrações

Pais são mais insatisfeitos do que as pessoas que não têm filhos, mostram estudos

Marcelo Justo/Folhapress


JULLIANE SILVEIRA
DE SÃO PAULO

O uso de drogas ansiolíticas, a psicoterapia e os fins de semana inteiros passados na cama não estavam nos planos de alguns casais, quando decidiram ter filhos.
Nenhum conflito com as crianças: o problema são as atuais demandas da paternidade e da maternidade.
"É bom, mas exaustivo. Depois do nascimento, na volta ao trabalho, engordei cinco quilos de ansiedade. Hoje, durmo tarde para ajudar minha filha na lição. Quando o alarme toca às 6h, quero chorar", diz a secretária Michele de Luna, 32, mãe de Maria Clara, 8.
"Eu me justifico o tempo todo, falo para ela que preciso trabalhar. Nos fins de semana, quero fazer de tudo com ela, para compensar a semana. É culpa demais."
A constatação dos acadêmicos é ainda mais dura. Os estudos feitos nos EUA e na Europa nos últimos anos mostram que, em relação aos que não têm filhos, os pais demonstram níveis mais baixos de bem-estar mental, felicidade, satisfação com a vida e com o casamento.
Um último trabalho, publicado em 2009 no "Journal of Happiness Studies", até tentou contrariar os resultados das pesquisas anteriores.
Depois de analisar dados de 15 mil britânicos por uma década, um economista escocês atestou que pessoas com filhos eram mais felizes.
Mas a euforia durou pouco: em março deste ano, o autor publicou uma errata. Ao rever os números, viu que "o efeito de ter filhos na satisfação das pessoas é frequentemente negativo".
"Há uma sensação de perda, de não estar dando o que poderia. E uma cobrança grande. Qualquer distúrbio de comportamento é visto como culpa da criação dada pelos pais", analisa a cientista social Maria Coleta Oliveira, professora da Unicamp.
No Reino Unido, a Universidade de Kent centraliza uma rede de pesquisadores de todo o mundo que se dedicam a entender as peculiaridades do que chamam de nova cultura parental.
"Ser pai ou mãe passou a ser considerada uma atividade ou habilidade, e não uma forma de relacionamento, e é retratada como algo inacreditavelmente difícil", explica à Folha Jan Macvarish, pesquisadora da universidade.
Com tanta pressão, fica difícil educar um filho sem se sentir mal e aquém das expectativas próprias e alheias.
O excesso de informações sobre como criar a prole gera a impressão de que uma boa educação deve ser guiada por um especialista.

O LADO DELES
A mãe já está acostumada a carregar o mundo dos filhos nas costas. Mas o papel do homem na educação ganhou destaque nos últimos tempos, abrindo espaço para mais culpa e frustrações.
"Fala-se muito do novo pai. Há cobrança para que ele esteja mais presente. Mas que chefe entende o executivo não ir à reunião para levar o filho ao pediatra?", indaga Maria Coleta de Oliveira.
O publicitário Carlos Munis, 31, viveu esse drama nos primeiros anos de Igor, 10. O excesso de pitacos da família e dos amigos o deixou "bloqueado". Ter se separado da mulher também contribuiu para o afastamento.
"Eu não sabia como dar banho, fazer dormir, dar comida sem me estressar. Minha autoestima foi lá pra baixo. É muita gente falando,você se sente incapaz."
Com o tempo, Carlos aprendeu a assumir a paternidade. "Passei a participar mais. Pai sempre se sente frustrado. Mas, hoje, faço do meu jeito e, se erro, erro por algo que achei que era certo."
Para Macverish, os homens se tornaram "alvo" de campanhas sobre criação dos filhos, o que gera tensões entre o casal. "Em vez de negociar apenas o ponto de vista dos dois sobre os filhos, pai e mãe estão incorporando mais conselhos externos."
O psicanalista Rubens de Aguiar Maciel, que pesquisou futuros pais, constatou a insegurança em relação às novas competências paternas. "É muita pressão. Eles internalizam a cobrança da sociedade."
Pesquisas feitas no Brasil mostram que apenas um terço dos pais encontram o equilíbrio entre dar afeto e limites. Outro terço é considerado negligente, 15% são autoritários e 15%, permissivos.
"Pensa-se pouco sobre como ter e em ter filhos. As pessoas acham que sabem como fazer, por causa do excesso de informações", diz a psicóloga Lídia Weber, da Universidade Federal do Paraná.
Mesmo com filhos bem planejados, a situação pode parecer fora do controle.
A analista de negócios Andreza de Campos Vieira, 29, decidiu buscar ajuda de um terapeuta para minimizar a culpa que sente ao se desdobrar entre a rotina e os cuidados com Manuela, de um ano e cinco meses.
"Nunca achei que iria sofrer desse jeito sendo mãe. Mas já tive urticárias, dores de cabeça. Me cobro demais para fazer coisas que não consigo."

COISINHAS
A autônoma Amanda Paradela, 34, mãe de Igor,10, e de Kaian, 5, já dormiu fins de semana inteiros para descansar. "Mesmo nessa exaustão, me culpo. Se um fica doente, é porque não estou, e a babá não cuida direito. Você está no seu limite, mas cada coisinha parece um problemão."
Não é fácil se livrar da frustração. Mas tomar consciência de que ela existe é bom.
"O que deve estar em jogo é o afeto", diz a psicanalista Belinda Mandelbaum, coordenadora do laboratório de estudos da família, relações de gênero e sexualidade da USP. E alivia: "O importante é entender que não existe um modelo ideal. Existe o possível para cada um".


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