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ROSELY SAYÃO
roselysayao@uol.com.br
Esqueceram de mim
Homens e mulheres acham que é possível ter filhos e manter a mesma vida que
tinham antes. Não é
A MÃE de um garoto com menos de dois anos precisava ou
queria ir às compras. Ela não
teve dúvidas: estacionou o
carro, trancou-o e deixou o filho lá dentro, dormindo em
sua cadeirinha.
"Que mãe desnaturada",
certamente muitos pensaram
ou disseram. Será?
Esse fato foi apenas mais
um do gênero que irá engrossar as estatísticas do fenômeno mundial de esquecimento
de crianças no carro.
Por sorte e por intervenção
de transeuntes, no caso específico citado acima, a tragédia que costuma acontecer
nessas situações não ocorreu.
Muitas crianças, de todas
as classes sociais, têm sido
abandonadas e/ou esquecidas diariamente. Algumas,
inclusive, são esquecidas pelos adultos responsáveis por
elas na presença destes.
Na escola, muitas crianças
ficam à espera dos pais por
mais de uma hora depois de
terminado o horário regular.
E a instituição escolar, muito
solícita com os pais, permanece de portas abertas -às
vezes até o início da noite, disponibilizando seu pessoal para ficar com as crianças até
que alguém apareça para
buscá-las.
Algumas escolas acreditam que prestam um tipo de
serviço especial aos pais e se
permitem, inclusive, cobrar
por essas horas extras.
Em casa, muitas crianças
ficam abandonadas em frente à televisão ou no jogo de videogame. Aliás, não é pequeno o número de pais que fazem de tudo para que seus filhos permaneçam entretidos
com esses aparatos e, dessa
maneira, não solicitem de nenhum modo sua presença e
intervenção.
Mas há, também, o oposto
disso: pais que querem fazer
algum programa e, para tanto, carregam junto seus rebentos.
Hoje é comum encontrarmos mães e pais com seus pequenos bebês em shoppings,
por exemplo. Ou, então, testemunharmos pais com seus filhos menores jantando às altas horas da madrugada em
restaurantes ou em bares de
petiscos.
Esses fatos me lembram a
pergunta que a mãe de um
bebê me fez, pouco tempo
atrás. Profissional dedicada e
com carreira em desenvolvimento, ela ocupava um alto
cargo em uma empresa e um
de seus compromissos profissionais era viajar com muita
frequência, o que fazia com
muito gosto.
Após ter seu filho cuidadosamente planejado e retomar
o trabalho, essa profissional
deu-se conta de que não poderia mais fazer viagens com
tanta frequência e de longa
duração. "O que vou colocar
no lugar do que perdi, como
viver de agora em diante?",
perguntou ela.
A questão dessa mulher é
um retrato instantâneo e em
branco e preto da maternidade e da paternidade nos dias
atuais.
Os valores de nossa cultura
levam homens e mulheres a
acreditar que é possível ter filhos e ainda manter a mesma
vida que tinham antes de tê-los. Não é.
Ter filhos exige algumas renúncias, mesmo que essas sejam temporárias. Não dá para ter e fazer "tudo ao mesmo
tempo agora".
Por sinal, é bom lembrar
que essa é uma máxima da
juventude e, quando se tem filhos, a juventude deve ceder
espaço à maturidade, independentemente da idade cronológica da pessoa. Esse
amadurecimento tem sido
uma raridade nos dias atuais.
Nem sempre os adultos que
decidem ter filhos se dão conta da complexidade dessa decisão, já que alguns dos valores importantes da atualidade apontam para a manutenção da juventude a qualquer
custo e para a busca quase
desesperada da felicidade.
Filhos não podem ser descartados, e muitos têm sido.
Ter filhos leva a pessoa a ter
de renunciar, ceder, abdicar.
Afinal, não foram as crianças
que pediram para nascer,
não é verdade?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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