São Paulo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2007
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saúde

Surpresa na balança

Dieta inadequada e um estilo de vida comodista fazem com que as pessoas engordem, mas podem não ser o único motivo para o avanço da epidemia de obesidade

China Photos/Getty Images
Criança participa de acampamento para perda de peso na China


ALISON MOTLUK
DA "NEW SCIENTIST"

Se você perguntar a qualquer pessoa por que estamos passando por uma epidemia de obesidade, a resposta envolverá o fato de que as pessoas comem demais e queimam calorias de menos. Isso sem dúvida é verdade -não é possível ignorar a primeira lei da termodinâmica. E é igualmente verdadeiro que vivemos em um ambiente "obesogênico": alimentos de alto teor calórico estão disponíveis a preço acessível, e nosso estilo de vida é cada vez mais sedentário.
Os pesquisadores, no entanto, estão cada vez menos satisfeitos com essa explicação. Muitos deles agora acreditam que alguma coisa a mais precisa ter mudado em nosso ambiente para que um crescimento tão dramático dos índices de obesidade tenha sido registrado nos últimos 40 anos. Ninguém está dizendo que os dois grandes fatores -atividade física reduzida e disponibilidade ampliada de comida- não sejam importantes causas da epidemia, mas não é possível que eles a expliquem por completo.
Há alguns meses, uma compilação de pesquisas sobre obesidade ofereceu as dez mais plausíveis explicações alternativas para a epidemia.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

1
POUCO SONO

Pessoas que dormem menos de sete horas por noite tendem a ter índice de massa corpórea (IMC) superior ao de pessoas que dormem mais, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos EUA. De maneira semelhante, com base no Estudo de Saúde de Enfermeiras norte-americano, que acompanhou 68 mil mulheres durante 16 anos, é possível constatar que as pesquisadas que dormiam em média cinco horas por noite ganharam mais peso do que as mulheres que dormiam uma média de seis horas, as quais, por sua vez, ganharam mais peso do que aquelas que dormiam sete horas por noite.
É bem sabido que a obesidade prejudica o sono, de modo que talvez as pessoas primeiro engordem e depois passem a dormir menos. Mas o estudo com as enfermeiras norte-americanas sugere que a correlação também pode funcionar no sentido inverso: a perda de sono é capaz de precipitar ganho de peso. Um fator que pode influenciar a situação é a maneira pela qual a escassez de sono altera o metabolismo. O nível de leptina (hormônio que sinaliza a saciedade) se reduz, enquanto o de ghrelin (hormônio que sinaliza fome) aumenta -e isso faz com que cresça o apetite.
E, ao que parece, estamos de fato dormindo menos. Em 1960, as pessoas dormiam em média 8,5 horas por noite nos EUA. Uma pesquisa conduzida em 2002 pela Fundação Nacional do Sono norte-americana sugere que essa média caiu para menos de sete horas.

2
POLUIÇÃO

Na vida cotidiana, as pessoas estão expostas a dezenas de milhares de produtos químicos industriais, pesticidas, corantes, flavorizantes, perfumes, plásticos, resinas e solventes. Nós os engolimos, inalamos e absorvemos pela pele.
Há indicações de que a presença baixa de certos produtos químicos pode levar a ganhos de peso. Ratos que receberam pequena dose do pesticida dieldrin, por exemplo, registraram índice de gordura corporal mais de duas vezes superior à média. O hexaclorobenzeno, outro pesticida, fez com que ratos de laboratório ganhassem mais peso do que a média, ainda que comessem apenas metade do consumido pelo grupo de controle.
Parte desses produtos químicos perturba o sistema endócrino e interfere no funcionamento de hormônios como o estrogênio. Estudos com animais e seres humanos sugerem que, quando o estrogênio não está funcionando direito, aumenta a adiposidade. E a exposição a produtos químicos está aumentando: um estudo sueco determinou que a concentração de PBDE (produto agora proibido que era usado para retardar a propagação de incêndios) no leite materno dobrou a cada cinco anos entre 1972 e 1998.

3
CONTROLE DO CLIMA

Como todos os animais de sangue quente, os homens conseguem manter as temperaturas de seus corpos constantes, a despeito do ambiente. Manter-se aquecido ou frio requer energia, a não ser que estejamos na "zona termoneutra" -em torno de 27C-, que cada vez mais domina em casa e no trabalho.
Nos EUA, a proporção de casas com ar-condicionado cresceu de 23% para 47%, entre 1978 e 1997. No sul do país -onde a taxa de obesidade é mais elevada-, o número saltou de 37% para 70%.
Estudos de pessoas fechadas em câmaras de respiração por alguns dias demonstram que, em temperaturas confortáveis, utilizamos menos energia. Suar resulta em queima de energia, e existem bons indicadores de que temperaturas elevadas reduzem a quantidade de alimentos que as pessoas comem, de acordo com o bioestatístico David Allison, da Universidade do Alabama.

4
OS IGUAIS SE ATRAEM

Da mesma maneira que as pessoas formam casais com base em aparência, elas o fazem também com base em tamanho. As pessoas magras tendem a se casar com outras pessoas magras, e as gordas, com gordas. Em estudo com 1.341 famílias canadenses publicado em 1999, Peter Katzmarzyk, da Universidade York, em Toronto, constatou que existe pequena, mas firme correlação entre medidas de obesidade, registradas tanto em termos de IMC quanto de "superfície de pele", para os componentes de casais, e que não é possível justificá-las com base no fato de que vivam juntos. Por si só, a idéia de que os iguais se atraem não responderia por aumentos na obesidade. Mas, combinada a outros fatores, especialmente ao fato de que a obesidade é em parte genética e ao fato de que pessoas mais pesadas têm mais filhos, ela pode intensificar os ganhos de peso gerados por outras causas.

5
UM POUCO MAIS VELHOS

Pesquisas do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde norte-americano constataram que os adultos entre os 40 e os 79 anos tinham probabilidade de obesidade três vezes maior do que os jovens. As mulheres não-caucasianas também tendem a se enquadrar no extremo mais gordo do espectro. As mulheres de etnia mexicana têm chance 30% maior de obesidade do que as caucasianas, nos EUA, enquanto para as mulheres negras o risco é duas vezes superior.
Nos EUA, esses grupos respondem por porcentagem crescente da população. Entre 1970 e 2000, a faixa etária entre os 35 e os 44 anos cresceu em 43% como proporção da população norte-americana. A participação dos hispânicos também aumentou, de menos de 5% para 12,5% do total, enquanto a proporção de negros cresceu de 11% para 12,3%. Essas tendências demográficas podem responder, pelo menos em parte, pela incidência mais elevada de obesidade.

6
MENOS FUMO

Má notícia: os fumantes realmente tendem a ser mais magros do que as demais pessoas, e abandonar o cigarro de fato causa ganho de peso, ainda que ninguém saiba ao certo o motivo. O fenômeno provavelmente se relaciona ao fato de que a nicotina trabalha como inibidor de apetite e, aparentemente, acelera o ritmo metabólico.
Segundo o Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos, a probabilidade de que as pessoas que haviam abandonado o cigarro nos dez anos precedentes ao estudo tivessem excesso de peso era superior à que calcularam para as pessoas que nunca fumaram e para as pessoas que continuaram fumando.
Isso não equivale a dizer que abandonar o cigarro representa risco de saúde pública -longe disso. Fumar é tão perigoso que seria preciso engordar por volta de 45 quilos para justificar a manutenção do vício.

7
EFEITOS PRÉ-NATAIS

As chances de se tornar uma pessoa gorda podem ser determinadas antes do nascimento. Os filhos de obesas têm probabilidade muito maior de terem o mesmo problema. Embora isso possa ser atribuído à genética, há indicações de que uma "programação intra-uterina" acontece.
As crias de ratos alimentados com uma dieta de alto teor de gordura durante a gestação têm probabilidade muito maior de se tornarem gordas do que as crias de animais com dieta normal. E o efeito persiste por duas ou três gerações.
Sabe-se também, com base em estudo de pessoas nascidas durante a grande fome na Segunda Guerra, que a restrição de energia para o feto pode levar a obesidade. Isso acontece caso haja um período de crescimento rápido nos dois primeiros anos de vida.

8
MAIS MEDICAMENTOS

Os neurolépticos, de combate à psicose, os anticonvulsivos usados no tratamento da epilepsia, os remédios contra a hipertensão, os inibidores de protease usados para tratar o HIV e os remédios para diabetes, entre os quais a insulina, foram todos associados a quilinhos adicionais. Os betabloqueadores geram ganho médio de peso de 1,2 quilo para os seus usuários, e usar pílulas anticoncepcionais por dois anos em geral acrescenta cinco quilos ao peso da paciente. Não há ainda ligação direta, mas não resta dúvida de que o uso desses remédios surgiu ou cresceu ao mesmo tempo em que a ascensão da obesidade ocorreu.

9
MÃES MADURAS

As mulheres estão tendo filhos mais tarde. No Reino Unido, a idade média para ter o primeiro filho é de 27,3 anos, ante 23,7 em 1970. Nos EUA, a idade passou de 21,4 anos em 1970 para 24,9 em 2000.
Isso não influenciaria a situação não fosse a observação de que mães mais velhas parecem representar um fator de risco para obesidade nos filhos. Estudo do Instituto Nacional do Coração, Pulmões e Sangue dos Estados Unidos apontou que as chances de que uma criança se torne obesa crescem em 14% a cada cinco anos de aumento na idade da mãe.
Michael Symonds, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, constatou que as ovelhas nascidas de mães mais velhas acumulam mais tecido adiposo em seu primeiro ano de vida. Symonds também percebeu que o primeiro filho de uma família humana tem mais gordura do que os irmãos posteriores. E, à medida que cai o tamanho das famílias, os primogênitos passam a constituir proporção maior da população.

10
GORDURA EQUIVALE A 0 FECUNDIDADE

As pessoas mais pesadas têm mais filhos. Um estudo conduzido por Lee Ellis, na Universidade Estadual de Minot, constatou "correlações pequenas, mas altamente significativas" entre o IMC e os índices de reprodução. Mulheres com peso normal ou baixo tinham, em média, 3,2 crianças, enquanto as obesas ou com excesso de peso tinham 3,5.
Será que ter mais filhos faz com que as mulheres ganhem peso ou a questão é a contrária? Ambas as respostas são válidas. Ter muitos filhos pode fazer com que cresçam as chances de obesidade -no mínimo por conta da escassez de sono. Mas o IMC das pessoas antes de se tornarem pais também está associado ao número de filhos que terão.
As explicações variam. Magreza extrema prejudica a fertilidade tanto entre os homens quanto entre as mulheres. A obesidade extrema também, mas com efeito menos intenso.


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