São Paulo, terça-feira, 04 de janeiro de 2011
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COISAS LOUCAS

MARION MINERBO - marion.minerbo@terra.com.br

Acessório indispensável?


O homem se valorizava infantilizando a mulher; hoje, a situação é idêntica, só que invertida

JUSTO AGORA, quando depois de séculos de opressão, a mulher passou a ter voz própria, acontece um fato imprevisto, desagradável e aparentemente inexplicável: a ameaça de extinção do "homo interessantis". Pelo menos é o que se escuta por aí.
O seriado "Sex and the City" -divertido e bem concebido- ajuda a entender o fenômeno. A cada episódio, as solteiras bacanas conhecem um homem que parece perfeito. Logo percebem que não é "o cara". Por fim retornam à solterice, celebrando a velha e confortável amizade.
O homem, ou a falta dele, é o assunto principal, fazendo crer que ele é o centro de suas vidas. Mas, coitado, nessas conversas, ele é sempre um pouco risível. Tem manias bizarras, medo de compromisso; é imaturo, ruim de cama, bravo demais, doce demais; tem pênis pequeno.
Embora afirmem estar à procura do homem certo, sempre encontram o defeito que justifica o fim da relação. Concluem que há falta de homens interessantes no mercado. Em um episódio, Charlotte, desiludida, compra um cão para ter companhia masculina. Há uma exceção: Big, o namorado de Carrie.
Para o psicanalista, quando esses fracassos se repetem, não é por acaso. Eles estão sendo ativamente produzidos, de forma inconsciente.
Mas qual a vantagem desse tiro no pé? Afirmar o valor das mulheres: elas é que são companheiras, sensíveis, divertidas e interessantes.
As quatro já estão "casadas" entre si. Por isso, lamentam a solteirice, mas não muito. O homem é o acessório que não pode faltar a essas mulheres, que parecem já ter de tudo. O problema é que ao tratar o homem como bobo, ele se torna bobo -e quem perde são as mulheres.
Antes do movimento feminista, essa era a posição da mulher: um acessório mais ou menos indispensável.
O homem se valorizava infantilizando a mulher e depois lamentava não ter uma companheira. Para conversas divertidas e interessantes, frequentava ambientes masculinos. E outras mulheres para sexo mais vibrante.
O seriado "Sex and the City" é importante porque mostra que a situação continua idêntica, só que invertida. Ao colaborar para a extinção do "homo interessantis", a mulher se vê obrigada a contar com a companhia feminina. Para cimentá-la, é preciso diminuir o homem. O ciclo se perpetua.
Big representa a resistência masculina a se deixar transformar em um acessório. Recusa o papel de mero coadjuvante, porém "sem perder a ternura". Faz o papel das feministas dos anos 60. A eles, nossa gratidão.

MARION MINERBO , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)


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